Texto por Thiago Nasser
Coloque sua roupa de viajante do tempo.
Vamos para 1824, mas sem sair do lugar. O Rio de Janeiro não passa de um povoado rudimentar. Ainda atordoados por conta da viagem, nosso olhar busca a referência do Cristo lá no alto do Corcovado. Ele não está lá, tampouco a exuberante Floresta da Tijuca. O que se vê nas partes altas que cercam a cidade são manchas verdes intercaladas com rasgos na terra. O foco se ajusta. Você se dá conta de que o Maciço da Tijuca é um retalho de lavouras e mata recém-cortada entremeado por veios. Por meio deles descendem escravos carregando cestos. À medida que eles se aproximam, o conteúdo dos cestos se torna mais nítido: pequenas cerejas rubras. É café.
Após tentativas fracassadas de plantio no norte do Brasil, o café chegara ao Rio algumas décadas antes, se candidatando para substituir a decadente cana de açúcar. Vingou. E como! Em 1860 o Brasil se tornaria o maior produtor mundial, sendo que 90% desta produção se concentrava no Rio de Janeiro. Não em Minas Gerais, não em São Paulo, estados cuja história e fausto econômico ficaram muito mais identificados com o fruto. Essa migração ocorreu apenas no final do Império, após o café exaurir a terra e água ao redor da cidade, e após a marcante passagem no Vale do Paraíba e interior do estado (para onde retornaremos ao final do texto). Ainda que as névoas da história nos façam esquecer, o Rio de Janeiro era a cidade do café no Brasil.
Mas, ao contrário das marcas urbanas da riqueza deixadas em outros lugares ou de uma cultura de apreciação pela bebida, o legado do café carioca é francamente deprimente. A prova mais cabal e frequentemente citada é que na escala de classificação oficial dos cafés, determinada pela qualidade de bebida produzida pelo fruto, os piores recebem designações que remetem à cidade e porto onde eles eram produzidos e escoados: o café riado, rio zona e rio. São cafés “com leve sabor de iodofórmio ou ácido fênico” (riado) ou “com sabor forte desagradável” (rio). Ou seja, com todo respeito, o café do Rio de Janeiro, marco zero do café como lavoura economicamente viável no Brasil, virou sinônimo de merda.
Teria sido sempre assim? Inocentes que somos aqui na redação da Revista da Junta Local, queremos acreditar nas referências históricas que descrevem a qualidade superior do café da Tijuca. Que história mais bela teríamos se pudéssemos relatar a redescoberta e retomada de excelentes cafés da região.
Mas não é bem assim.
O mais provável é que essa suposta superioridade não significa muito. O café plantado nas nossas encostas e serras seria melhor em relação a qual café? Aos cafés plantados nas condições mais adversas em outras capitanias brasileiras? Certamente sim. E viajantes do tempo inocentes que somos, fantasiamos sentir o aroma delicioso no café sendo delicadamente torrado, moído e coado no pano nas pequenas chácaras? Será que fidalgos bigodudos, ascendentes tupiniquins dos hipsters, se gabavam de seus “blends”? Tudo ficará como conjectura, pois sabemos pouco sobre o consumo do café no Rio de Janeiro e seria preciso munir nossa cápsula de viagem no tempo de Harios, Aeropress e máquinas de espresso para realizar uma anacrônica degustação e determinarmos a pretensa qualidade de café.
Precisamos assim recorrer à dura realidade econômica e histórica, mais poderosa que qualquer devaneio que nos faça salivar com a fantasia da existência de cafés de qualidade antes do “Café Rio”. O fato é que em algum momento o café deixou de ser o grão fino da grã-finagem para se tornar uma grande commodity, e nossa cidade teve papel importante.
O consumo do café está relacionado aos salões ilustrados mundo afora, turbinando mentes iluminadas e revolucionárias (ainda que nunca largassem sua xícara e saíssem da poltrona). Com a superprodução carioca, o preço do café despencou, colocando-o no caminho de se tornar a segunda bebida mais consumida no mundo, de Seattle a Sertãozinho. E, como toda commodity, no dilema entre vender mais ou vender melhor, o primeiro sempre ganha. Eis que podemos agradecer o Rio de Janeiro por ter ajudado a popularizar (mais) uma moda, em escala mundial. Por outro lado, graças ao Rio fomos condenados a muitos anos de cafezinho de “garrafa”. O café forte e amargo virou o paladar “padrão” na cidade e no país. Temos aqui uma dívida histórica e chegou a hora da cobrança.
Essa dívida pode ser questionada. Afinal, tal predileção pelo cafezinho poderia muito bem ser considerada um traço cultural relativo, assim como o brasileiro não curte misturar muito o doce com o salgado. No entanto, por mais que hajam aqueles que, com copinho de plástico e açucareiro em mãos, rechaçam o “chafé” servido nos cafés transados de hoje, o problema do “cafezinho” brasileiro não se restringe a uma quimera gastronômica.
Em primeiro lugar, o café forte e amargo é resultado de um embuste comercial. Para mascarar a má qualidade e desleixo da colheita à torra, o café (ou na verdade uma mítica mistura de grãos, gravetos, folhas e outros componentes estranhos, inclusive a cevada, que ironicamente, na seara da cerveja é vítima do milho) é carbonizado na torra. Nada que um açúcar não resolva.
Em segundo lugar, tal tratamento menospreza a amplíssima gama sensorial contida em cada grão de café, tão rica, ou mais, que a do vinho. O café possui mais de 800 compostos aromáticos. A combinação e intensidade destes compostos variam de acordo com altitude, terroir e variedade do café. Contudo, quiseram nossos barões do café o tratar como feno. Queime-o e sirva-o para as massas sonolentas.
Com isso, o que se perdeu, junto com o potencial gastronômico do café foi, crucialmente, a oportunidades de desenvolvimento econômico, principalmente para pequenos produtores rurais. Um preceito básico da economia é que quando um produto é facilmente trocado por outro, a escolha do consumidor será determinada pelo preço. Tal produto é uma commodity e seu valor é determinado pelo mercado. Se o mercado está disposto a pagar pouco pelo café, quem sofre é o produtor.
Onda da mudança
Mas o caminho da salvação já existe. A história do café nos últimos cinquenta anos é a história de uma commodity se transformando num produto especial – o café especial – em que passam a contar todas as suas características (origem, variedade e qualidade). Essas mudanças aconteceram em escala global e em ondas sucessivas. Existem nuances de país para país, mas, grosso modo, as ondas se sucederam da seguinte forma.
Na primeira, com a massificação das cadeias de produção, o café foi deixando de ser comprado verde e torrado em casa ou em pequenas vendas para ser vendido em grandíssima escala, dentro de embalagens e pré-moído, favorecendo o preparo em filtro. A máxima era a do “café bom é café forte”.
A partir dos anos 60 começa um movimento, iniciado nos Estados Unidos, de diferenciação de cafés e de exploração de outros métodos de preparação. O primeiro passo na diferenciação foi entre países e o método mais popularizado foi a do espresso. Esta foi a segunda onda do café. Apesar de ter começado tímida, com a participação de pequenos torrefadores, como Peet’s Coffee e George Howell, que começaram a buscar cafés com características diferenciadas de acordo com a região de plantio e a torrá-los de forma independente, a segunda onda logo encontrou o mainstream e virou um tsunami global cujo símbolo maior é a Starbucks.
Mas graças à semente plantada pela segunda onda, veio a terceira, em que a preocupação com a origem e qualidade do café se aprofundou. A diferenciação passou a ter como base regiões e até fazendas específicas. Para preservar e realçar as diferenças de cada café de origem única, a preocupação com qualidade se estendeu a todas as etapas, do plantio à torra e da torra ao momento de servir. A terceira onda do café e o café especial representam também uma forma distinta de relacionamento entre produtor e consumidor. Por conta do custo mais alto de produção e da necessidade de uma margem de lucro maior de quem decide plantar pouco porém melhor, o café especial depende de redes e cadeias curtas, com nível maior de conhecimento e transparência entre todos os envolvidos.
A onda do café especial demorou para chegar no Brasil. Enquanto nas décadas de 80 e 90 países como Colômbia, Guatemala e Etiópia figuravam como os principais cafés de origem, hoje o Brasil passou a ser grande exportador de cafés especiais. Temos ainda o diferencial de ser também grande consumidor de café – estamos em segundo lugar, atrás dos Estados Unidos. Ou seja, o terreno para expansão do café especial é vasto. Porém, no país que chegou a ter no escudo de sua seleção um ramo de café, apenas 5% das 20 milhões de sacas de 60kg consumidas internamente em 2013 eram de café especial, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Café. A cifra é diminuta, mas a salvação parece estar a caminho, pois segundo a mesma ABIC, o consumo desse tipo de café cresceu mais de 70% entre 2003 e 2013, certamente um reflexo da terceira onda. O potencial é extraordinário, mas como preza a terceira onda do café, ele será atingido a conta-gotas, liderado por pequenos produtores, torrefadores e cafés.
Assim, voltamos para o Rio de Janeiro para saber se a dívida começa a ser paga. Tiramos a roupa de viagem intertemporal, colocamos de lados os livros e a pesquisa para bater perna e descobrir de que forma a terceira onda vem arrebatando o Rio de Janeiro. Será ela capaz de abrir um espaço para o café especial no paladar carioca? Será que um dia, puxado por essa nova demanda, teremos o café de qualidade plantado, colhido e torrado no nosso estado? Para responder a essas perguntas, conversamos com um alguns dos principais representantes da terceira onda carioca.
Nosso bate-perna começa no Café Secreto, no Largo do Machado, talvez a principal referência e um dos pioneiros no que diz respeito ao preparo de cafés especiais na cidade. A principal não significa grande nem pompa. O café, inaugurado em 2015, funciona num pequeno espaço de uma vila de tijolinhos que já funcionou como entreposto de grãos. A inauguração não tem tanto tempo assim, mas até então, para se poupar dos “cafezinhos de padaria” e espressos (com S, por favor) mal-tirados pela cidade, qualquer reunião, encontro ou passeio que minimamente incluísse o Flamengo era pretexto para um pit-stop no Secreto. São algumas banquetas ao longo de um balcão e algumas mesinhas do lado de fora. O atendimento é informal e a maioria dos clientes conhece os baristas por nome, trocam informações sobre os cafés e técnicas de preparo com desenvoltura.
Gabriela Ribeiro, criadora do Café Secreto, cresceu, ironicamente, no principal porto de exportação do café commodity no Brasil: Santos. Ainda que na infância tomasse café com leite na mamadeira e na adolescência tomasse cafezinho preto na hora do intervalo enquanto os colegas ficavam no guaranazinho, só mais tarde, numa mudança de rumo profissional para a comida e bebida se interessou pelo café especial. Decidida a se aprofundar, fez um curso de café na Casa do Barista (uma referência na formação de profissionais e do gosto na cidade). Nesse curso decidiu que a relação com café ficaria séria, que o café seria protagonista e não apenas a rebarba amarga de uma refeição, forma como o produto é tratado até em bons restaurantes. Vieram outros cursos, se converteu em rata de cafeteria e, após muitos bons (e ruins) cafés, teve a ideia do Café Secreto. Com o reforço de Renato Gutierres como consultor, inaugurou o café, o concebendo não apenas como um ponto de venda, mas como verdadeiro ponto de cruzamento das “magyas” e das pessoas envolvidas em toda cadeia do café de qualidade. As palavras da própria são mais eloquentes:
“Não dá pra ignorar o poder dessa bebida, pelo seu efeito no corpo e na mente e também por seu perfil simples e rotineiro. Logo de cara eu já sabia que as conexões humanas geradas ao redor de uma xícara de café são da maior importância e profundidade. Às vezes o balcão de uma cafeteria é mais eficaz que uma sessão com seu analista, um palanque político ou um caderno de cultura. E preparar o café para alguém é um ato carregado de energia. No caso do Café Secreto temos quatro caminhos que se cruzam: o do produtor na roça, do torrefador no laboratório, do barista no balcão e finalmente do bebedor de café em local infinito, digo local infinito pois o café é uma bebida perene, ela acompanha o bebedor após seu consumo. Foi pensando nessa troca que criei o conceito e personalidade do Café Secreto, um pouco baseado nas minhas crenças particulares (natureza e pessoas), outro pouco baseado nas minhas viagens por esse mundão e pesquisas sobre a bebida e outro pouco baseado na busca por aromas e sabores afetivos. E, claro, porque já não aguentava mais tomar café ruim por aí sendo que o Brasil tem uns cafezões de emocionar!”
Especificando, Gabriela diz que o Café Secreto se insere na terceira onda na medida em que o cuidado começa com a escolha do café. O maior fornecedor do café é a Fazenda Ambiental Fortaleza – FAF (um de seus cafés foi degustado pela Junta Local, inclusive), de São Paulo, que cumpre padrões rígidos de agricultura biodinâmica. O cuidado continua na torra. O café é sempre comprado por demanda (ou seja, não fica mofando num estoque), garantindo frescor em microtorrefações de pessoas conhecidas, que fazem a torra sob medida. Por fim, existe o cuidado na hora de servir:
“E no momento final do preparo executamos um método preciso para extrair o melhor de cada grão. Provamos muitos cafés diariamente para entender suas variáveis, mesmo aqueles que já conhecemos muito bem. O café é vivo, ele muda o tempo todo, é um café três dias após a torra e outro café quinze dias após a torra; é um café naturalmente doce se preparado corretamente e muito amargo se você usa a água quente demais ou se não for moído na hora, por exemplo. Cada detalhe é essencial e vai, obrigatoriamente, interferir no sabor final da bebida.”
Nesse momento, aparece a figura do barista. De nada adianta todo cuidado nas etapas da fazenda passando pela torra se a pessoa que prepara o café não sabe o que faz. O trabalho de um ano da lavoura até a torra pode ser destruído em alguns segundos. Trata-se de uma enorme responsabilidade, como ressalta Gabi. O barista é, além de analista de balcão, um proponente da cultura, ele é a grande conexão entre o produtor e o consumidor. O trabalho humano do barista, dentro da terceira onda, certamente vai mais longe do que escrever o nome do cliente no copo de latte duplo.
Outro traço decididamente humano da terceira onda é o espírito cooperativo, que se estende não apenas aos produtores, mas também entre baristas e cafés. Nas entrevistas para esse texto, foi um tópico que surgiu com frequência. Os representantes da terceira onda estão imbuídos de um senso de missão que contribui para o compartilhamento de conhecimento e ajuda mútua, certos de que quanto maior o número de “missionários”, melhor. Um bom café na xícara depende de uma relação mais próxima e cooperativa com quem planta, quem torra, quem prepara e quem consome.
É o que enfatizou a barista Dri Menezes, que já foi salva muitas vezes por colegas quando repentinamente seu estoque de café acabava. Instalada na The Slow Bakery, a segunda parada do nosso bate-perna, a designer de formação entrou no nicho de forma não planejada. A intenção inicial era abrir um bistrô. Na busca por uma máquina de café, foi parar na Semana do Café em Belo Horizonte, um dos principais eventos do ramo no mundo. Um novo universo se abriu e Dri começou a se interessar mais, percebendo que no “rolê do café” encontrava uma forma de preencher sua vontade de ficar entre o campo e a cidade. Daí foi fazer um curso de formação no Coffee Lab em São Paulo, curso de torrefação e, sempre que possível, visitar fazendas no processo de buscar blends próprios de café em cada lugar em que trabalhou.
Na The Slow Bakery não foi diferente. Apesar de não ser uma cafeteria, o zelo da padaria com todos os produtos servidos não poderia deixar de excluir o café. No começou Dri desenvolveu um blend junto com uma torrefação de São Paulo, a Wolff. Apesar de satisfeita com o resultado, ela quis continuar desenvolvendo um café feito sob medida para a padaria. Levando em conta que muitos vão à padaria para um brunch ou lunch preguiçoso e ainda não são muito iniciados em cafés especiais, elaborou um blend com dois grãos do Sítio Santa Rita (que também foi provado na nossa degustação), no Espírito Santo, bastante equilibrado e menos ácido, um “abracinho matinal”, como ela o descreve.
O processo de Dri na Slow aponta um caminho de democratização do café, conciliando paladar e qualidade, mas principalmente no sentido de mostrar que toda padaria, bistrô e restaurante (e não apenas cafés especializados) pode servir cafés de qualidade sem contar com um rol extenso (e caro) de cafés e máquinas. A experiência nos cafés, mediada por baristas, se transforma em novos hábitos em casa e cuidados na hora da compra. Ecoando o discurso de Gabi, Dri diz que buscar cafés de qualidade e o apuro no preparo não é gourmetização, é uma forma de valorizar os pequenos produtores que se arriscam a sair do sistema do café commodity e consolidar uma cadeia em que todos os elos são valorizados.
Se todo estabelecimento tivesse essa visão, a demanda por café especial não seria apenas uma questão de nicho. É nesses pontos que também se estabelece a educação e a valorização, a compreensão de que um bom café pode bem valer mais do que cinco ou até dez reais. O custo será sempre um empecilho nesse caminho e nem todo produtor trabalhará com esse tipo de café. Nem sempre toda a lavoura do pequeno produtor é dedicada exclusivamente ao café especial, parte dela é de café comum, aquele que vira o “café da vovó” ou “da esquina”, mais ainda sim muito melhor do que café commodity. É por isso que o “café de péssima qualidade, ligado à grande indústria precisa ser liquidado”, como reivindica Gabi do Café Secreto.
Café na Junta
Como não poderia deixar de ser, nosso rolê do café passa pela Junta Local. Desde o começo do projeto, buscamos trazer bons cafés para a feira e a Sacola Virtual, de preferência com presença direta do produtor e nos valendo de bons baristas para difundir a cultura e valorizar o café. Tivemos a companhia do pessoal do Curto Café, pioneiros do bom café e do preço justo com seu espaço no Centro do Rio, que participaram de feiras com os cafés de Mario Zardo, um torrefador do Espírito Santo que seleciona grãos de produtores locais e faz diversas torras sob medida para o Curto (também provados na nossa degustação).
Posteriormente conhecemos o trabalho de Leonardo Gonçalves, o Soul Barista (agora Café ao Leu) que exemplifica a importância do barista dentro da terceira onda do café. Muito mais do que ser um expert em técnicas de preparo (o que lhe valeu inclusive o título de Campeão Brasileiro de Aeropress), Léo trabalha de forma afincada para integrar todas as etapas de produção em sua apresentação na feira. Seu Instagram é um verdadeiro diário de viagem para conhecer fazendas e produtores Brasil afora. Em parceria, ele também trabalha na torra, já tendo desenvolvido torras para sua recente marca de cafés, o Café ao Leu, e uma torra voltada para o público carioca, o Maravilha, que acentua um pouco mais o encorpado do café, brincando com a ideia de que por aqui se aprecia o “pretinho forte”.
Contamos também com a presença direta do Cafezal em Flor, da família de Mateus Bichara, presente constante na feira e na Sacola Virtual. Arquiteto de formação, ele representa o sítio da família, localizado no Circuito das Águas Paulista. A produção do sítio começou como um projeto social, com o objetivo de qualificar a mão de obra local e aproveitar o intenso agroturismo na região.
Utilizando variedades como Catuaí e Obatã, o café foi tomando prioridade graças em muito ao trabalho em conjunto com baristas e torrefadores. “A cada lote que chega ao Rio, eu faço uma degustação com baristas da minha confiança. São como rodadas de negócios, onde, além de degustar os cafés, tenho a oportunidade de provar os métodos de extração […] isso melhora a qualidade do café que servimos nas feiras.” Se tudo isso ainda é um pouco novidade para Mateus (e para muitos produtores que ainda estão começando a se tornar fluente na linguagem dos métodos de extração), para o público é ainda mais. Segundo Mateus, a principal pergunta que responde nas feiras é em relação à região do café; em seguida as pessoas perguntam se o café é orgânico e se ele é mesmo é o produtor do café. Ele conta que apenas recentemente as pessoas começaram a tomar seu café sem açúcar, para poder apreciar diferentes notas sensórias.
Com Mateus e Léo, a terceira onda certamente já chegou na Junta Local, porém confessamos que na nossa opinião ela apenas arrebatará de forma definitiva quando pudermos contar com produtores de café de qualidade do estado do Rio de Janeiro. Queremos acelerar essa viagem para o futuro, resgatando um passado, mesmo que ele talvez nunca tenha existido como idealizamos.
E este futuro já se entrevê.
Aqui entra a história de Antônio Sobral, jovem artista que por um acaso do destino se tornou produtor de café. O encontro com ele foi mais um produto da serendipidade, espécie de elo cósmico que faz com que coincidências tragam produtores à Junta Local, conceito já elaborado por outro sábio escriba. Na época estávamos sem produtores de café e Antônio apareceu numa feira.Havia pouco tempo, Antônio assumira a fazenda do pai, recém-falecido. Sem qualquer tradição agrícola, mas imbuído de um espírito aventureiro, o pai dele havia comprado a fazenda, com seu belíssimo casarão, e decidido plantar café especial. A morte encerrou esse projeto, mas trouxe Antônio, que não apenas decidiu continuá-la mas dobrou as apostas, investindo em torras diferenciadas, plantio em Sistema Agroflorestal e qualificação de mão de obra local.
A Fazenda São José, localizada no município de São José do Vale do Rio Preto, faz parte da onda de migração do café para o Vale do Paraíba e interior fluminense após o declínio do café na cidade do Rio de Janeiro. O café de Antônio representa a esperança de termos, por fim, um café local de altíssima qualidade. A Junta Local vem testemunhando esse processo, o que rendeu um belo Junta Local Vai, em que viajamos para a fazenda na companhia do barista Emerson Nascimento, do Curto Café. O vídeo mostra o esplendor da fazenda antiga e o vigor moderno que Antônio quer imprimir.
Antônio participou de algumas feiras e da Sacola Virtual, mas atualmente se recolheu para reestruturar a fazenda. Promete voltar. Aguardamos a onda.
Até lá, faça sua parte, beba café de qualidade.
Para facilitar, compilamos aqui uma lista de lugares onde é possível beber a terceira onda de café no Rio de Janeiro.
Botafogo
CoLAB – Rua Fernandes Guimarães, 66
Grave – Rua Professor Alfredo Gomes, 33
The Slow Bakery, Pães Artesanais – Rua São João Batista, 93
Centro
Chá e Café Rafa – Travessa do Ouvidor, 17 (interior da loja Panna)
Curto Café – Avenida Erasmo Braga, 278 | quiosque 47 (Edifício Garagem Menezes Cortes)
Fazenda Paradiso Café – Rua dos Inválidos, 126
Copacabana
Sofá Café RJ – Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 300
Cosme Velho
Folie à Deux, Café & Bistrô – Rua Ererê, 11 C
Jardim Botânico
Bastarda Café – Rua Von Martius, 325 | loja F/G
Laranjeiras
Café Secreto – Rua Gago Coutinho, 6 | Vila do Largo, casa 8
Barra da Tijuca
Pazos Espresso Bar – Avenida Ayrton Senna, 5500
Curso de Barista
Casa do Barista – Rua Conselheiro Zacarias, 37
Feiras da Junta Local
Circuito Junta Local Botafogo – Rua Capistrano de Abreu | todo primeiro domingo do mês
Circuito Junta Local Gávea – Praça Santos Dumont | todo terceiro domingo do mês
Christ Church Rio – Rua Real Grandeza, 99 | ver calendário
>> Este texto faz parte da edição #5 de 2017 da Revista da Junta Local <<
Créditos das fotos: ilustrações Rugendas: acervo Itaú cultural | ilustração PB: acervo Café Capital | Café Secreto: Henrique Moraes | capa + outras: Samuel Antonini