Texto por Thiago Nasser

A Revista Feira há pouco tempo traçou um panorama desolador acerca da pesca artesanal do Rio de Janeiro. A poluição, a marginalização, a falta de políticas públicas e a lógica impiedosa da cadeia alimentar contemporânea ameaçam a sobrevivência de um ofício que é o resultado do acúmulo do conhecimento sedimentado ao longo de gerações sobre a fauna marinha e o mar que banha a cidade.

Quando olhamos para os cardápios de muitos restaurantes da cidade, encontramos uma das pistas que talvez explica como o declínio da pesca artesanal vem acontecendo de forma silenciosa. A tríade salmão, atum e “peixe branco” raramente é contestada. A situação se repete mesmo em bons restaurantes, mesmo em estabelecimentos à beira mar. Tem-se a impressão de que o mar está ali apenas para compor a paisagem. Comemos de forma alienada. Ainda que os estoques de peixes no mar estejam em decadência, ainda há uma variedade de peixes nas nossas águas cujo potencial gastronômico e de desenvolvimento econômico e sustentável vem sendo ignorado.

O Peixe da Rede é uma iniciativa, ainda embrionária e bastante informal, que apresenta uma possibilidade de mudança. Com a mobilização de chefs, donos de estabelecimentos, pescadores e pesquisadores, busca-se compreender mais a fundo os desafios da pesca artesanal e pensar em formas de recuperar o nexo entre comensais da cidade e as colônias de pesca artesanal.

O objetivo principal, segundo Juan Pilotto, um de seus integrantes e também membro do Slow Fish Brasil, consiste em “ampliar a rede de compra/venda dos próprios pescadores, com negociações mais justas, apoiar o desenvolvimento local e priorizar a sazonalidade”.

Se restaurantes e consumidores não mudarem a forma de compor seus cardápios e comprar seus peixes, pescadores artesanais continuarão tendo seu trabalho desvalorizado e fadado ao desaparecimento, na medida em que novas gerações não terão qualquer incentivo para permanecer neste ofício, seja financeiro, seja do ponto de vista do reconhecimento.

Uma amostra dessa possibilidade de ampliação de cardápio e de apoio a pescadores artesanais produtores foi dada durante a Semana Santa, em que uma rede de cozinheiros e restaurantes que fazem parte do Peixe da Rede – Marchezinho, Comuna, Flor do Céu e o próprio Juan (que cozinha em eventos) – montaram um cardápio com base numa compra coletiva feita diretamente com pescadores da colônia da Praia dos Amores (Associação de Pescadores Livres e Amigos da Barra), que fica escondida embaixo de um dos viadutos de acesso à Barra da Tijuca.

Há muito trabalho pela frente para a rede ganhar corpo. É preciso fortalecer a relação de confiança com os pescadores, entender suas demandas e ao mesmo tempo buscar formas de empoderá-los com conhecimento em relação à conservação dos pescados e ligação direta com clientes finais e restaurantes. A rede esteve presente na Junta Local Mar Próximo, em que diversos expositores gastronômicos fizeram parte de uma nova compra coletiva, e seguirá buscando apoio de agências como a Fundação Instituto de Pesca do Rio de Janeiro (FIPERJ) para reverter a maré da pesca artesanal e aproximar no nosso mar do prato.

Crédito das fotos: Samuel Antonini e Peixe da Rede