Por Thiago Nasser

Recentemente a Junta Local participou de encontros internacionais relacionados a mercados, a Assembleia Geral da World Farmers Market Coalition (WorldFMC), em Roma, a International Public Market Conference, em Toronto, e o Food Systems Summit +2 Stocktaking Moment na FAO, também em Roma. Abaixo um breve relato destes eventos por Thiago Nasser, co-fundador da Junta Local que representou nossa comunidade nas três ocasiões e que agora também é membro do Conselho Diretor da WorldFMC, como representante das Américas.

Escrevo esse relato diretamente de Roma, onde reencontro a liderança da World Farmers Market Coalition e outros colegas organizadores de mercado do mundo inteiro. Estamos no salão onde acontecem as plenárias gerais da FAO, a agência da ONU que se dedica a combater a fome e fortalecer a agricultura. O burburinho se dá em muitas línguas, gravatas e salto alto para todo lado. Discursos e falas intermináveis. Olho para o teto que abriga uma gigantesca pintura e me pergunto: “que diabos estou fazendo aqui? A gente só quer fazer a nossa feirinha”.

Aperta o rewind e volta dois anos. Estou enviando um e-mail para a WorldFMC apresentando a Junta Local e falando do nosso trabalho baseado no impulso primitivo de querer estar junto de seus semelhantes. No caso, os semelhantes são as pessoas – de questionável juízo e bom senso – que nos finais de semana acordam cedo para fazer as feiras acontecerem. Montar barracas, acompanhar produtores, enfim, preparar com antecedência um palco para uma peça que irá durar algumas horas. Ao longo da semana, fazer checagens, conferir certificados, ouvir os feedbacks, conseguir (ou não) autorizações, definir a seleção, divulgar e no próximo final de semana fazer tudo de novo. (E no meio de tudo isso, ainda fazer o equivalente disso para a nossa “feira online”).

Pelo que apurei no site da WorldFMC essas pessoas não apenas existem por todo o mundo mas esse trabalho é digno de valorização. As feiras e mercados existem há milênios, mas à medida que o sistema alimentar foi se globalizando, o campo foi sendo nivelado por grandes monoculturas, os supermercados foram se impondo e as políticas públicas foram escasseando, eles perderam seu lugar central. Agora ressurgem em versão reimaginada mantendo sua função primordial de conexão entre produtores e consumidores, mas sob, literalmente, nova direção pois para enfrentar o novo mundo alimentar remando contra a maré é preciso agregar novas funções e capacidades. E, tal qual gostamos no nosso prato, tem muita biodiversidade em termos de feiras e mercados: recém criados, estabelecidos a mais de duas décadas, grandes, pequenos, urbanos, rurais, com fins lucrativos, associativos. Cada um se adapta ao seu território e constrói sua história particular.

Talvez por isso a Junta Local tenha sido convidada a fazer parte da coalizão.

Vieram as primeiras reuniões, virtuais, com outros integrantes e também os responsáveis pela visão da WorldFMC, Carmelo Troccoli, diretor da Fondazione Campagna Amica, da Itália, pioneiros no estabelecimento de mercados campesinos, e Richard McCarthy, organizador de feiras em Nova Orleans, ex-presidente e co-fundador da US Farmers Market Coalition. De pronto ficou claro que, apesar do nosso tamanho e pouco tempo, não faltava ambição em termos de onde podemos chegar. E que esta ambição não é vazia, pois todos já sentimos o gosto de satisfação e que cada feira e mercado pode conseguir, com pouco apoio, em cidades pelo mundo. No roteiro de vôo o estabelecimento de uma academia virtual para troca de experiências e mobilização para participar de foros e encontros em toda parte do mundo para dar mais visibilidade para feiras e mercados, conscientizar o público, demandar apoio do estado. E sobretudo fazer em nível global o que já fazemos localmente, juntar pessoas.

E foi o que aconteceu em maio deste ano na Assembleia Geral que formalizou a existência da WorldFMC. Realizada em Roma, com apoio da Fondazione Campagna Amica e outros parceiros, organizadores de mercados de mais de 70 países estiveram presentes. Foram dias intensos com apresentações, sessões de discussão, votações e muita confraternização num cenário que não poderia ser mais propício e uma atração em si: o Mercato San Teodoro no Circo Massimo. Ao longo destes dias, em que a lingua franca era feira e marcado, ultrapassando todas barreiras de linguagem conheci, ao vivo, pessoas que antes eram quadradinhos do zoom, com aquela sensação de que já éramos amigos de longa data. Teve até feira com produtos que cada um trouxe, em que cachaça de jambu e hidromel de jataí fizeram enorme sucesso!


Pouco tempo depois, ainda não recuperado do jetlag, foi hora de outro encontro muito esperado, dessa vez em Toronto no Canadá, onde aconteceu o 11th Public Markets Conference. Promovido por uma ONGs focada na valorização de espaços públicos, a PPS, essa conferência já tem uma estrada mais longa, mas foi o primeiro encontro desde a pandemia. Diferente da WorldFMC ela congrega não apenas mercados de produtores, mas todo tipo de mercado e também especialistas na área, de urbanistas e arquitetos até pesquisadores agentes municipais. Mais uma vez feiras mercados para todos os gostos – para se ter ideia a Junta Local apresentou sua história ao lado do mercado de peixes de Sydney da Austrália que se prepara para reformar seu pavilhão – uma obra orçada em algumas centenas de milhões de dólares. A programação estava recheada de tópicos novos. A Junta Local contou sua modesta história numa mesa ao lado do Mercado de Peixes de Sidnei, na Austrália, , mas o que mais valioso foi observar o que está acontecendo na cidade em si, que, graças à mobilização de organizadores de mercado, liderados por Marina Queirolo, formaram o projeto MarketCitiesTO, com o objetivo de definir as diretrizes que irão tornar Toronto uma cidade “mercado”, o que significa mais espaços públicos de qualidade, mais conexão com produtores e comida saudável, de uma maneira efetivamente democrática, com mercados e feiras espalhados em toda malha urbana e coordenadas com ações de equidade e inclusão. O plano é um primor e está detalhado aqui: https://marketcityto.org/ . Não custa sonhar com algo semelhante no Rio de Janeiro, alô Eduardo Paes! E foi possível testemunhar tudo isso de perto, pois programação da conferência incluiu muita bateção de perna para visitar mercados, desde os mais estabelecidos, em construções históricas, novos, acontecendo em parques e até sob viadutos, e até mesmo o “CEASA” local, onde há uma área exclusiva para produtores da província e abastecem pequenos supermercados e vendinhas de bairro.

Aqui vão links para o relatório oficial da conferência e vídeo.

E agora estou em Roma de novo, para uma reunião conselho do WorldFMC que agendada para acontecer simultaneamente com o UNFSS+2 avaliando quais ações foram tomadas desde que em 2021 a ONU instituiu através da FAO uma iniciativa para monitorar e promover ações de implementação de suas SDGs, suas metas de desenvolvimento sustentável, no sistema alimentar. Nossa organização conseguiu um lugarzinho (assistam aqui) no meio das muitas reuniões para mostrar de que forma feiras e mercados podem ser uma ferramenta na transformação de sistemas alimentares locais. Estamos mudando o comportamento de consumidores, estimulando a economia local, criando espaços cívicos, promovendo a biodiversidade, incubando novos empreendimentos.

Talvez esteja na hora de devolver essa responsabilidade para quem está na terra e na rua. Talvez nossa missão faça sentido, a insistência em fazer feiras, fazer novos tipos de feira, como a feirinha, levantar bandeiras que não serão vistas e gritar palavras de ordem que não serão ouvidas tenha uma razão de ser. Talvez a gente seja ouvido na ONU, talvez nossa voz se perca em meio aos protocolos burocráticos e outros discursos. 

Meu olhar se volta de novo para a plenária. Os delegados de cada país ouvem uma intervenção do nosso presidente conclamando enfaticamente a necessidade de “abraçar e reimaginar os antigos mecanismos dos mercados para o século XXI. Mercados não acontecem espontaneamente, mas quando acontecem e são bem administradas coisas extraordinárias acontecem” e aplaudem de forma que me parece um pouco mais efusiva.

Para conhecer mais iniciativas extraordinárias vejam a lista abaixo. A semana do dia 6 a 12 de agosto marca a comemoração mundial dos mercados. Visite o mais perto da sua casa.

Sugestões (que valem também como roteiro de viagem):

WorldFMC
https://worldfarmersmarketscoalition.org/

Project for Public Spaces
https://www.pps.org/

Feria de Produtores Guadalajara – México
https://www.instagram.com/feriamx/

Groent Marked Copenhagen – Dinamarca
https://www.instagram.com/groentmarked/

Farmers Market of Nova Scotia – Canadá
https://www.instagram.com/marketfreshns/

Mercado de Tel Aviv
https://www.instagram.com/shukhanamaltlv/