A Junta Local realizou quatro feiras na Rua do Rosário, centro histórico do Rio de Janeiro. Cheios ou vazios, os eventos lá sempre tiveram um gosto especial por acontecerem onde as primeiras feiras da cidade surgiram, séculos atrás. Não importava se de manhã o espaço tinha que ser “negociado” com moradores de ruas. No final, a feira sempre acabava em festa e confraternização entre os produtores. Estar lá significava reunir pessoas de diferentes classes, de diferentes partes da cidade. É por isso que o Centro é centro.

A forma de ocupação pacífica com pessoas – e não obras assinadas por grandes arquitetos – é um aprendizado de urbanismo e democracia. E essa pequena revolução aconteceu apenas por causa de Evelyn Chaves, do Al-Farabi, que, como fã da Junta Local e das coisas boas da vida (livros, cervejas, política e, sobretudo, amizades), carinhosamente nos convidou e abriu as portas da forma mais generosa possível para essa ocupação. Se a Junta Local fez isso em quatro feiras, o Al-Farabi fazia dessa missão uma batalha diária. Infelizmente ela chega a um fim.

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Já vislumbrávamos um 2017 com novas feira no Rosário, mas fomos pegos de surpresa pela notícia de que o Al-Farabi fechará suas portas, em parte atropelada por um processo de revitalização de sucesso e escopo questionável. Não sabemos que caminho tomaremos no Centro. Por ora, temos apenas que agradecer Evelyn e toda equipe do Al-Farabi (Artur, Luiz e Carlos) e passar a palavra à nossa madrinha, uma grande Ajuntada da Junta, a quem fizemos algumas perguntas sobre o Al-Farabi e o processo que levou ao seu fechamento.

Boa sorte, Evelyn. A luta continua. Não faltarão pratos, apetites, muito menos amizades.

O centro do Rio historicamente já passou por diversas fases de ocupação e abandono, e, de certa forma, o Al-Farabi testemunhou algumas. Conte um pouco sobre as dificuldades e recompensas de comandar um espaço numa rua tão carregada de história como a Rua do Rosário. Fale também sobre a história do Alfa (apelido do Al-Farabi), como foi sua evolução recente e de que forma ela se encaixa na sua visão sobre a ocupação do Centro.
Quando inauguramos o Al-Farabi, no dia 04 de fevereiro de 2004, num casarão de 1825, a Rua do Rosário era o retrato do abandono da região. Os poucos imóveis que existiam no trecho compreendido entre a Rua do Mercado e a Rua 1º de março (a antiga Rua Direita, primeira rua da cidade do Rio, do século XVI) estavam, em sua maioria, em estágio avançado de degradação (alguns serviam de moradias para famílias em condições de vulnerabilidade social). Fomos os pioneiros no que podemos chamar de primeira fase de revitalização da área.

Na esteira da abertura do Al-Farabi, novos imóveis foram sendo recuperados e alugados para empresários do ramo da gastronomia (Brasserie Rosário, Casual Restaurante e Bem Fatto, só para citar alguns).

Em 2014, com o início das obras de revitalização do Centro, sofremos um duro golpe. Ruas interditadas, um cenário de início de crise econômica do país começando a se instaurar, Copa do Mundo e várias lojas começando a cerrar as portas. Ao longo de 2015, a crise se acentuou: dados da Fecomércio consolidam um número de mais de mil lojas fechadas no centro do Rio. Os dados de 2016 ainda não estão disponíveis, mas acredito que esse número vá aumentar.

Nesse ano o Al-Farabi se reinventou: buscamos parcerias, criamos um selo editorial e começamos a fazer eventos (rodas de choro, samba, jazz, lançamentos de livros, entre outros). Estávamos apostando na propalada revitalização/reinvenção de um novo centro do Rio.

As dificuldades de empreender num lugar impregnado, que respira História, foram várias: desde a mudança de um alvará de livraria (sebo) para transformação em restaurante (em 2007), até a dificuldade de incutir nos empresários do entorno a ideia de um associativismo, como por exemplo, reestruturar e reativar o Pólo Cultural e Gastronômico do Rio de Janeiro.

Como historiadora, me apaixonei pelo local e pela ideia do sebo. Infelizmente, com o surgimento de novas tecnologias (Estante Virtual e sites similares), os seis sebos que existiram no nosso entorno acabaram sucumbindo. Somos os últimos a cerrar as portas diante de uma crise sem precedentes no setor de serviços/alimentação/gastronomia, vencidos pela especulação imobiliária que assola a cidade.

A relação do Alfa com a Junta Local é muito bonita. Como aconteceu esse entendimento e de que forma, ainda que por instantes, as feiras marcaram a Rua do Rosário e o Alfa? Algum momento marcante?
Conheci a Junta Local através de uma grande amiga, que estuda redes de economia solidária no Rio de Janeiro. Me apaixonei pelo conceito e pela práxis da Junta. O exercício diário de compartilhar, dialogar, “ajuntar” quem produz com o consumidor final: isso é encantador e uma experiência sem precedentes para a cidade. As feiras marcaram a Rua do Rosário e o Al-Farabi na medida em que pudemos perceber como parcerias francas, abertas e solidárias podem dar certo.

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Foi na Rua do Rosário que a Junta pôs em prática a ideia da feira de rua, pra cidade, pros cariocas… isso marcou os clientes do Alfa (que passaram a acompanhar o calendário da Junta e a nos cobrar “quando seria a próxima”), e muitos se tornaram frequentadores da Junta e nos pediam para que ela acontecesse mais vezes; e nas ruas.

O que você mais curte nas feiras da Junta Local?
O que eu mais curto na Junta é o espírito que reina de troca, de paz, a ideia de uma comida boa e justa.

Como é a relação com os produtores?
Sempre foi muito boa! Já na primeira edição, formalizamos uma parceria com o Soul Barista, que passou a ser nosso fornecedor de café, e com o Migalha, que passou a nos fornecer palha italiana… Fora o nosso cardápio a cada edição, que sempre contemplava os produtores de cada edição da Junta.

O que não pode faltar na sua Sacola da Junta Local?
Cerveja – sempre! – da Rockbird. Os queijos do Daniel do Queijo com Prosa. A simpatia, serenidade e doçura do Fabrício do Cogumelos Umami.

Crédito das fotos: Samuel Antonini | antonini.fot.br