Introdução por Thiago Nasser | Texto por Samuel Antonini

Samuel Antonini é o fotógrafo oficial da Junta Local, além de também participar da produção e direção da série Junta Local Vai. Já contamos um pouco da história dele aqui, mas se você quiser conhecê-lo melhor, em breve ele fará sua primeira exposição de fotos impressas com registros da Junta Local.

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O convite da Junta Local para escrever um texto que falasse sobre fotografia e memória não poderia ter vindo em tempo mais oportuno. Alguns dias antes eu havia acabado de ser presenteado pela minha mãe com todos os álbuns que contam, em fotos, um pouco da história da família. Parentes distantes e que nunca conheci, eventos e viagens que vieram antes de mim e especialmente os registros de importantes datas comemorativas. Um contêiner de fatos e fotos dispostos em ordem cronológica, cuidadosamente legendados com o propósito de contextualizar aquele que se aventurasse por suas páginas.

Muito antes de dedicar-se às fotos de família, minha mãe já carregava consigo a sua intrépida Instamatic 202, a câmera mais conhecida como a “Xereta”. Sempre muito interessada em registrar as pequenas coisas, mas ao mesmo tempo limitada pelo custo que aquela prática representava, ela foi construindo seu acervo pessoal. Familiares, amigos, comemorações, viagens, aos poucos ia montando a sua própria linha do tempo e preservando suas lembranças. Veio então a constituição de uma família, os filhos e as conquistas que se sucederam, tudo aquilo somado ao seu catálogo pessoal.

Mesmo tendo acesso a esses registros quando criança, somente hoje, pai e fotógrafo, me dou conta do valor imensurável de todo esse material que chegou até mim. Mergulhar por entre páginas e páginas de fotografias me fez realizar que não são poucas as memórias que sempre carreguei comigo e que se fortalecem nas imagens capturadas por ela nestes álbuns. Rever qualquer uma delas é como “dar play” em um curta metragem na minha mente, é desencadear as memórias anteriores e posteriores àqueles momentos. Reviver, no sentido intransitivo da palavra. No apanhado para este texto, fiz questão de separar algumas memórias recorrentes:

Irmão mais velho x irmão mais novo

Meu irmão, à esquerda, e eu. São Paulo, 1988

Desde pequeno meus pais reforçaram a responsabilidade que eu tinha, por ser mais velho, para com o meu irmão mais novo. Veja bem, para um garoto de cinco anos a responsabilidade pode ser uma coisa pouco interessante, do tipo: “por que eu?”. Independente disso, eu mantenho vivo o sentimento de ter que evitar qualquer acidente com meu irmão, principalmente quando ele resolve sentar “à beira do precipício”. E essa foto faz questão de reforçar este sentimento.

Meu irmão, à esquerda, e eu. São Paulo, 1988

Para a cidade grande eu vou
Em março de 2005 eu tomei o que talvez tenha sido uma das maiores decisões da minha vida, a de deixar Ribeirão Preto (interior de SP) e me mudar para o Rio de Janeiro. Duas mochilas na mão e atrasado para embarcar, depois de muitos conselhos e despedidas, uma foto que é pra mim o símbolo de transição, uma despedida do “ninho”.

Eu poderia preencher minha cota de palavras e imagens com relatos ilustrados. Passar por cada um destes registros é como pular de bungee jump por momentos distintos do tempo, sempre tentando esticar a corda da memória um centímetro a mais, buscando um detalhe, um sentimento, uma conversa. Mas o fato é que após toda essa realização, não tenho parado de pensar em formas para poder manter vivo esse material e, mais adiante, encontrar uma maneira de dar continuidade a ele.

Assim, de repente, uma inquietação genuína tomou conta de mim: dentro dessa nossa vida/rotina tão dinâmica, existe ainda espaço e tempo para mantermos preservados nossos registros? A sensação é de que nossas histórias, memórias e conquistas estão fragmentadas e espalhadas por entre as redes virtuais, nuvens e compartimentos digitais. Num dia, seguidores de Instagram comemoram a mudança para um novo apartamento enquanto, no outro, likes de Facebook celebram a tão merecida formatura. Adquirimos tanto conhecimento e nos atualizamos tão rápido, mas ao mesmo tempo esquecemos (ou ignoramos) a fragilidade e impermanência das informações que percorrem os canteiros virtuais. Se hoje existe um movimento de retomada de consciência sobre o alimento, sobre o nosso papel frente à natureza, sobre nossos posicionamentos políticos, dentre outros, será que em algum momento retomaremos nossos costumes de contar nossas histórias através da fotografia?

Fotografia e a Junta Local
Todos esses questionamentos acabam por permear também a minha forma de atuação na Junta Local. Apesar de nossas plataformas de comunicação ainda estarem quase que exclusivamente presentes nos meios digitais, existe por trás dos bastidores um interesse crescente em transpor essa barreira e transformar toda uma bagagem de registros em algo que possa ser, literalmente, passado de mão em mão. Afinal, quantas são as histórias por trás de cada produto esperando para serem contadas e quantos são os encontros proporcionados por cada feira? O registro do pequeno produtor que mostra com orgulho a sua linha de produção. Ou então, os olhares curiosos das crianças que, tão cedo, já vão se acostumando a encontrar novidades da feira. Sem sombra de dúvida, uma parte desses registros tornam-se especiais e acabam por fixar-se facilmente na memória. Alguns exemplos:

Já é verão na Glória
Não são poucas as pessoas que sentem falta das feiras na Casa da Glória. A charmosa casa localizada no número 98 da Ladeira da Glória ganhava vida ao receber por entre suas salas e jardins pequenos produtores e o público da Junta Local. E foi assim, no ápice do verão carioca, que nasceu esse registro, por diversas vezes utilizado para ilustrar as chamadas da Junta Local e que simboliza tão bem a dinâmica que existe entre feira, público e espaço.

Pequenos olhares, grandes hábitos
As feiras da Junta Local têm significado diferente para as pessoas. Para alguns, um ponto de encontro para o almoço. Para outros, aquele vinho no final da tarde para amaciar o final de semana. Mas uma coisa que sempre me chama bastante atenção são os pequenos “aventureiros” das feiras e Sacolas Virtuais. Estar próximo daqueles que produzem o alimento gera uma mistura de curiosidade, fascinação e até mesmo medo! São olhares e expressões inesquecíveis, difíceis de serem resumidas em apenas uma foto…

Ajudar a construir a identidade de um projeto tão amplo através de imagens é, sem sombra de dúvidas, um desafio. Acreditar que, futuramente, todos estes registros sejam capazes de ilustrar reproduzir e passar adiante o empenho por trás de tudo o que é feito, hoje, na Junta Local é o que move cada pauta da Revista, da nossa série de visitas aos produtores e também das feiras. Não há dúvidas de que a fotografia possui a capacidade de agrupar em um único instante um conjunto vasto de sensações, de trazer à tona sentimentos e memórias. Mas antes de tudo, é preciso pensar e praticá-la com este propósito.

Por fim, a vantagem de escrever um texto para a última Revista do ano é a de poder deixar um desafio para o novo ciclo que se aproxima: e se em 2018 você se comprometer em compartilhar suas histórias (ou pelo menos uma delas) através de fotos impressas? Se precisar de ideias, estou sempre flanando pelas feiras.

Por um novo ciclo com mais recordações!

>> Este texto faz parte da edição #7 de 2017 da Revista da Junta Local <<
Crédito das fotos: acervo do Samuel Antonini