Capril do Bosque: Estrada da Terra Preta, km 3, s/n, Joanópolis – SP
A viagem de Vassouras até Joanópolis, próxima parada no nosso itinerário, durou seis horas. Quando chegamos no hotel fazenda onde dormiríamos, já era noite. Tempo apenas para tomar um banho, cair na cama e sonhar, sonhar com cabras. No dia seguinte visitaríamos o Capril do Bosque, cujos oníricos queijos de cabra já conhecíamos graças ao Queijo com Prosa. Uma cabrinha, duas cabrinhas, três cabrinhas…
De manhã fomos tomar café no enorme refeitório do hotel fazenda. Ana Maria Braga comandava uma espécie de competição culinária com celebridades na televisão. O volume estava muito alto, não tinha como desviar o olhar. Lá estava Giba do vôlei fazendo uma massa.
A cozinha virou espetáculo. Todos estão com os olhos vidrados nos programas, nos chefs carismáticos, nos ângulos fechados, nas cozinhas gourmet. Mas até que ponto o espetáculo da cozinha está mudando nossa relação com a comida? Até que ponto a paisagem rural está mudando?
Estávamos a poucos quilômetros de um dos capris mais renomados do país, mas ali estávamos comendo o mesmo pão com queijo plastificado das cidades. O espectro de Ana Maria Braga e suas mechas pontiagudas cor de platina a nos fazer delirar…
Nada como a estrada e o verde dos campos para limpar a mente.
Após cruzar a pacata Joanópolis e muitas curvas depois, viramos numa estrada de terra batida reta, margeada por uma fileira de altos eucalyptus. Estávamos no Capril do Bosque, íamos finalmente ver cabras e conhecer a origem de queijos como Serra do Lopo e Lua do Bosque, que nos havia arrebatado em degustações no Rio de Janeiro. Queijos como esses são reveladores do quão arcaica é a noção de que queijos bons precisam vir de longe. No Brasil podemos produzir queijos “tipo” franceses que não devem nada para os “originais” e ainda produzir o que nos inspirar a partir da técnica adquirida e da qualidade da matéria-prima.
Foi assim que, com um pé na tradição e outro na inovação, Heloisa Collins, uma ex-professora de Linguística Aplicada em São Paulo começou o seu trabalho no Capril. Até 2009, ela se dividia entre os livros e as aulas na cidade, e o pequeno rebanho, livros de receita, mofos e fermentos dos queijos. A demanda crescente a fez traçar um plano de negócios e se dedicar integralmente ao Capril, que além do laticínio, conta com um bistrô, liderado por sua filha, Juliana Raposo, e que serve como sede do turismo rural desenvolvido na propriedade.
Falando em família, quem nos mostrou a propriedade foi Victor Collins, filho de Heloisa. Bastante acostumado a ser guia dos tours pelo Capril, começou contando sobre a sua história, a aquisição de novas cabras, a construção do capril de criação elevado, seguindo a técnica francesa, e a expansão da produção de trinta a trezentos quilos por mês, o que demandou um aprendizado das técnicas de manejo e controle de qualidade.
Enquanto ele habilmente falava sobre detalhes de ração, pasteurização do leite (todos os queijos do Capril são feitos com leite pasteurizado, os mofos e fermentos são acrescentados depois) os olhos não desviavam das lindas e saudáveis cabras. Algumas brincavam no pasto ao longo da estrada e outras estavam num cercado onde havia alfafa plantada exclusivamente para elas. Fizemos uma pausa para trocar carícias com as cabras, tirar fotos e deitar na grama ao lado delas.
Em seguida fomos conhecer o estábulo suspenso, passando antes pelo “cabra-macho” responsável pelas novas gerações de cabritinhas.
O piso do estábulo é elevado e todo vazado, permitindo que os excrementos das bichinhas não se acumulem e possam ser reutilizados. As cabras se dividem no estábulo de acordo com a idade e capacidade de produção. No final do estábulo conhecemos as cabras mais jovens, que se deliciavam com uma espécie de balde-mamadeira-coletiva de leite. Pausa para mais fotos e carícias com cabras. Um dos membros da excursão da Junta Local seriamente cogitou levar uma cabra de volta para casa, a Érica. No Capril, aliás, todas as cabrinhas possuem uma identificação e são chamadas pelo nome. Victor sabia de cor o nome de praticamente todas. Inveja de Victor.
Após um esforço coletivo de disuasão, voltamos para o bistrô, onde provaríamos uma inesquecível tábua de queijos: Pirâmide Cendré (feito com cinzas de carvão vegetal e mofo branco, massa macia e ligeiramente ácido), Serra do Lopo (casca lavada, interior macio e pungente) e outros. Foi um festival de suspiros e gemidos de prazer caprino.
Era hora de voltar a botar o pé na estrada. Mas nas nossas cabeças começava a se firmar uma certa visão sobre os rumos da produção da boa comida. Pequenas propriedades, produtos feitos com muita técnica e paixão, amor pelos animais, participação da família e a utilização do paladar e da experiência no campo como formas de reconexão. O Capril do Bosque é um primoroso exemplo de tudo isso.
Para mais informações sobre o Capril, www.caprildobosque.com.br