Texto por Thiago Nasser

Como o movimento pela comida, um movimento político, irá converter o sistema alimentar alternativo – que muitas iniciativas, como a Junta Local, estão buscando construir – dentro do modelo alimentar principal? Essa é a questão que Michael Pollan busca responder em recente entrevista para o site The New Food Economy.

A consciência sobre a comida certamente mudou dez anos após a publicação do livro divisor de águas “O Dilema do Onívoro”, e os consumidores já começam a pensar diferente. Os efeitos dessas mudanças comportamentais individuais, isto é, apenas como consumidores, são ambíguos. Por um lado, elas podem forçar grandes corporações a adotarem novas práticas que terão um efeito cascata em todo o sistema. O próprio Pollan reconhece que nos Estados Unidos esse tipo de mudança é o único que resta em um ambiente político já dominado por corporações. No entanto, o alcance dessas mudanças é limitado.

Os recentes episódios em que grandes empresas contrataram nomes como Alex Atala (Seara) e Jamie Oliver (Sadia – BRF Foods) colocam a nu essa limitação. Ambas figuras – tidas como representantes do movimento da comida de verdade, do resgate das tradições alimentares – alegam que apenas assim podem ajudar a trazer a mudança. Repetem o discurso de mudar o sistema de dentro. O recente e impecável texto de Juliana Dias e Mônica Chiffoleau fazem uma análise detida de como grandes empresas capturam a mensagem revolucionária do movimento da comida e como figuras de renome são utilizadas:

“Quando uma tendência surge, as empresas definem suas estratégias de nicho, considerando que as necessidades desse grupo de consumidores ainda não estão sendo atendidas. Assim, o ato de cozinhar como revolucionário está no limiar, na zona fronteiriça, trazendo afeto, compartilhamentos, novas composições. É justamente esse fluxo, essa fronteira que se pretende capturar, associando o prestigiado chef e a atividade culinária. Se a tendência é dedicar mais tempo ao preparo das refeições, então a indústria busca capturar o que está fora de seu alcance, lançando mão do marketing e da publicidade, trazendo o aval de nomes de prestígio.”

Ou seja, a mobilização pela comida de verdade é transformada em “tendência”, baseada em pesquisa de mercado, e as empresas irão agir para criar novos produtos ou associar sua imagem a pessoas do movimento. Assim, a luta pela comida deve fazer uma crítica dessas capturas e reforçar que seu objetivo é criar novas formas de cultivar, adquirir os alimentos, algo que as grandes empresas, sempre interessadas em últimas instância na venda do produto, são incapazes de fazer.

Não somos ingênuos, ainda falta muito para que o movimento pela comida se torne político e poderoso, capaz de mudar a direção de políticas públicas, a agenda pública e o voto. Somos sonhadores, continuaremos acreditando que a luta pela comida de verdade é um movimento comunitário também, que busca outras formas de relação. Enquanto isso, vamos continuar usando os livros do velho Jamie Oliver, que incentivou muitos a cozinhar. Já o novo Jamie Oliver… Que engula muitos frangos na companhia de Alex Atala.