Texto pela correspondente internacional, Ana Carsalade
Desde minha chegada em Portugal, a culinária tem sido uma das melhores formas de mergulhar na cultura portuguesa e conhecer seus rituais, a memória coletiva e o cotidiano. Uma açucarada pesquisa recentemente me levou a uma iniciativa que busca e cataloga não apenas a tradição doceira de Portugal, mas também como ela tem sido reinventada em todo país.
Muito acontece ao redor da mesa em Portugal e não é à toa que o país possui uma farta cultura culinária. E para uma apreciadora de doces como eu, tem sido muito gratificante descobrir que na culinária portuguesa os doces ocupam um posto tão importante quanto os tradicionais cozidos e preparações divinas do bacalhau no panteão gastronômico nacional.
Antes mesmo de chegar a Portugal eu já imaginava que essa seria uma oportunidade de, além de degustar e conhecer mais a fundo, aprender a fazer os tão famosos doces portugueses. Como grande fã de confeitaria em geral (e da portuguesa em especial), constatei que seria a chance de entender como eles conseguem fazer uma variedade tão grande de delícias com, aparentemente, uma pequena gama de ingredientes.
Em pouco tempo percebi que não necessariamente usavam-se poucos ingredientes. De fato, parece ser um um dom fazer maravilhas da simples mistura de ovos e açúcar, mas existe muito mais na doçaria portuguesa. Além da mundialmente famosa doçaria conventual – que nasceu nos conventos por volta do século XV e tem como ingredientes principais ovos, açúcar, amêndoas e doce de abóbora (chila), – a doçaria popular é também muito rica e diversa, e continua em evolução.
Diz-se que existe um doce típico em cada canto do país e mesmo os mais populares, que estão presentes em todo lado, como o pão de ló ou o pastel de natas por exemplo, têm técnicas e características diferentes em cada sítio onde são preparados. As receitas vão se adaptando aos contextos de cada local e mudando também de acordo com quem as prepara, sempre com um toque especial.
Comecei então a minha apetitosa pesquisa de campo em Guimarães, onde estou morando. Conversando com moradores, fui descobrindo novas iguarias e também os melhores lugares para degustá-las. Em seguida, fui atrás de receitas e pessoas que poderiam me revelar os segredos. Queria entender porque o toucinho do céu daqui é tão mais saboroso do que todos que eu já havia provado antes! Depois de algumas tentativas sem sucesso – eles são muito cuidadosos em manter os segredos dentro da família, passados de geração a geração – descobri um projeto muito interessante chamado No Ponto que, além de ajudar na minha empreitada, ainda é uma forma de valorização da tradição e cultura locais através da comida, coisa que nós da Junta admiramos e saudamos com muito entusiasmo!
No Ponto é um projeto de divulgação da doçaria portuguesa da atualidade. A equipe viaja pelo país e, através de vídeos, textos e fotografias, revela receitas, técnicas e histórias de inúmeros doces e de seus produtores. O conteúdo está disponível no site do projeto.
A ideia vai além da divulgação: a intenção é criar um inventário de doces, montando uma base de dados em forma de livros em homenagem ao patrimônio doceiro português. Além da história, pretende-se colocar também as receitas nos livros, sempre que estas estiverem disponíveis. Como dito antes, muitos confeiteiros portugueses levam a sério o sigilo das suas receitas e costumam guardá-las em família.
Para Cristina Castro, idealizadora do projeto, o que faz a diferença nos doces é quem os fabrica e a maneira como os faz. Ela acredita também que o que torna a doçaria portuguesa tão especial é o fato de que as pessoas que fazem doces têm paixão por isso e colocam esse amor no processo.
O projeto mostra o cenário dos doces portugueses como um todo. Não só os tradicionais são retratados. Os novatos também têm vez, como é o caso do recente Trovador, de Vila Nova de Cerveira, uma pequena vila ao norte do país. Hoje, depois de quase dois anos de levantamento, já são mais de quinhentas receitas registradas e a pesquisa continua em andamento. Toda quinta-feira um vídeo novo conta os detalhes de produção de um quitute diferente. São muitas histórias envolvidas: a dos doces, a de seus produtores e, em muitos casos, a própria história de Portugal.
Para saber mais sobre o projeto, acesse seu site, Facebook e Instagram.
Fotos retiradas do acervo do No Ponto