Em outubro do ano passado, uma coalizão formada por mais de cem cidades de todo o mundo assinou o Pacto pela Política Alimentar Urbana, firmado durante a Expo Milão 2015, que teve como tema “Alimentando o Planeta, Energia para a Vida”. O documento foi entregue ao secretário geral da ONU, Ban-Ki Moon, no Dia Mundial da Alimentação, em 16 de outubro, e tem um importante papel como ferramenta para o enfrentamento de problemas de segurança alimentar e sustentabilidade. Por meio dele, governos locais poderão construir políticas alimentares abrangentes, considerando todos os aspectos dos ciclos alimentares: da produção ao consumo, do processamento à distribuição.

Para o professor Tim Lang, da City University de Londres, referência máxima em política alimentar, a assinatura do pacto representa o retorno das cidades como vozes poderosas no debate sobre o futuro da alimentação. “Uma nova política urbana está surgindo, reconhecendo gradualmente a necessidade de ir além do compromisso neoliberal de comida barata e abundante que só gerou problemas horrendos a serem resolvidos, como desperdício, nova pobreza alimentar, aumento da obesidade, lixo urbano, desigualdade, trabalho mal remunerado no campo… Porém, as boas novas sobre um futuro sustentável devem ser divulgadas. Cadeias produtivas mais curtas, melhores empregos, mais qualidade de vida para as populações”, escreveu um esperançoso Lang em recente artigo para o Food Research Collaboration.

Marion Nestle, professora de Nutrição, Estudos Alimentares e Saúde Pública da Universidade de Nova Iorque, declarou em seu blog que, mesmo sendo um pacto voluntário, tais conclusões e recomendações já são suficientes para munir qualquer prefeito a trabalhar com estas questões de sustentabilidade. Uma motivação por trás do pacto são as mudanças climáticas. O grupo C40 de Cidades Mundiais que, anos atrás, começou a considerar as dimensões locais relacionadas às mudanças climáticas, constatou que, se o sistema alimentar atual não mudar, serão poucas as esperanças de reverter as emissões de gases poluentes na atmosfera. Nesse sentido, o pacto de Milão vai além neste debate e reconhece também o papel social e econômico da produção de alimentos.

O acordo é constituído por uma série de compromissos concretos, ligados a políticas alimentares urbanas. Os prefeitos signatários comprometeram-se em desenvolver um plano de ação focado na segurança alimentar; na luta contra a fome e obesidade; na redução de resíduos; e na educação de jovens para a sustentabilidade das gerações futuras.

Boas práticas para as grandes cidades
Prevê-se que até 2050, a população mundial chegará a 9 bilhões de habitantes, com 70% deste total vivendo nas cidades grandes. Diante de tal projeção, as cidades signatárias decidiram montar uma estratégia que estabelece metas específicas e instrumentos operacionais, incluindo a disseminação de boas práticas já implementadas em cidades como Londres, Amsterdam, Tel-Aviv e Xangai. No Brasil, Belo Horizonte e Curitiba representam o país com experiências de “equidade econômica e social” e “prevenção e redução de desperdício de alimentos”, respectivamente.

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Mas para além da divulgação de experiências de sucesso, os governos precisam concentrar esforços para conscientizar e esclarecer as pessoas sobre as escolhas alimentares e o impacto direto dessa tomada de consciência na nossa saúde. Parece um contrassenso, mas em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde muita gente ainda sofre com problemas como a falta de saneamento e a fome, os índices de doenças relacionadas à alimentação (obesidade, diabetes e hipertensão) só crescem.

No ano passado, o Ministério da Saúde lançou o “Guia Alimentar para a População Brasileira” cheio de novidades que repercutiram mundo afora, tornando-se referência para outros países. As diretrizes do programa não se debruçam sobre nutrientes, contagem de calorias ou perda de peso, mas se concentram no valor de refeições completas e também em incentivar as pessoas a simplesmente cozinharem alimentos frescos em casa – evitando produtos industrializados e fast-food –, arrancando elogios de gente como Michael Pollan, Yoni Freedhoff e a já citada Marion Nestle.

Uma questão de escolha
A grande questão é que as escolhas da cidade influenciam diretamente na sustentabilidade dos territórios rurais e na manutenção e preservação de ecossistemas. No modelo atual, a base da chamada dieta ocidental, quase onipresente nos centros urbanos, está baseada no consumo de alimentos ultraprocessados que, por sua vez, estão diretamente ligados a grandes conglomerados agroindustriais e também aos transgênicos, agrotóxicos, monoculturas, criação intensiva de animais… em uma combinação bombástica para o meio ambiente e para a nossa saúde.

O Pacto pela Política Alimentar Urbana busca alternativas reais em prol de um sistema alimentar mais sustentável e equitativo. Mas é preciso também muita boa vontade política, envolvimento e diálogo com a sociedade, para que tais mudanças realmente aconteçam. A má distribuição de alimentos em escala global que temos hoje é inaceitável. Como afirma Lang ao final do seu artigo, precisamos de sistemas com base nos custos totais dos alimentos, ou seja, os fabricantes de comida industrializada, por exemplo, devem considerar os reais impactos de suas atividades para que a sociedade não pague esta conta e você, ilusoriamente, acredite que está comprando seus alimentos por preço de banana.