Texto por Thiago Nasser
Uma das grandes pedidas do Circuito Junta Local Botafogo é o “McFish”, um sanduíche de peixe ocasionalmente servido pelo restaurante Lasai em suas participações na nossa feira da Rua Capistrano de Abreu. Os componentes são bem semelhantes ao produto homônimo encontrado em certa rede de fast-food: pão, molho, alface americana e peixe empanado. No entanto, um oceano de qualidade separa as duas versões. A principal diferença reside no peixe do McFish do Lasai: tenro, delicado e saboroso. Fiel ao conceito da feira, esse resultado é possível graças a uma parceria entre chef e produtor. Rafa Costa e Silva, ferrenho defensor da qualidade de ingredientes, utiliza os peixes de Antônio Amaral, cultuado produtor e distribuidor de peixes da cidade. E, se no Lasai os fresquíssimos pargos e dourados do Amaral, como todos o chamam, se prestam a composições sofisticadas, na Junta Local ganham estatuto democrático. Com isso temos a exceção que comprova a regra de que no Rio de Janeiro é raro comer um bom peixe e mais raro ainda comer um bom peixe de forma acessível.
Para entender melhor a proposta do McFish, versão Lasai, e falar um pouco sobre a dificuldade de se comer um bom peixe na cidade, me postei perto da barraca do Lasai numa das últimas feiras na Capistrano de Abreu, que acontece todo primeiro domingo do mês, para conversar com a dupla.
Enquanto Rafa silenciosamente monitorava o óleo que esquentava, Amaral se pôs rapidamente a falar sobre um dos seus assuntos preferidos: o rigor mortis, um estado de enrijecimento muscular que acontece logo após a morte dos peixes, cuja manutenção é valorizada por muitos chefs. “O meu peixe chega na mão do chef em rigor mortis, isso é sinal de qualidade, é importante evitar o sofrimento do peixe e a deterioração bacteriana. É qualidade e não quantidade. Em alto mar, no meio daquele frenesi dos peixes se alimentando, não pode matar tudo de uma vez, tem que ir um por um, tendo o cuidado de matar da maneira certa, de já colocar no gelo.” Rafa o interrompe para dizer que a entrevista mal começou e ele já estava falando muito. O tom de brincadeira e provocação é sinal da intimidade entre os dois, mas igualmente de grande deferência. Quando Amaral procurou Costa e Silva, após vê-lo em uma reportagem, levou-lhe um pargo que estava “incrível”, segundo Rafa. Antes disso, o chef do Lasai, recém-chegado ao Brasil, havia se espantado com a má qualidade dos peixes, tendo percorrido colônias de pescadores na Barra da Tijuca e em Cabo Frio na tentativa de fugir do produto “incomível” que os mercados e atravessadores ofereciam. Amaral por sua vez, encontrou em Rafa “a voz no Brasil para falar as palavras que digo há muito tempo”.
Amaral é de uma família que já foi dona de peixarias na cidade. A família largou o negócio, mas anos depois ele retomou o trabalho da pesca e da distribuição de peixe, investindo em técnicas de pesca e conservação que eram mais valorizadas no exterior que no Brasil. Parte dessa desvalorização se dava por uma baixa demanda por peixe de qualidade. Como Rafa apontou, “tem restaurante conhecido que fica o ano inteiro com o mesmo peixe no cardápio, os clientes não exigem, e os proprietários podem servir qualquer coisa, o chef não se dá ao trabalho a fazer algo que não seja atum ou salmão”. No Lasai ele busca sair dessa lógica: “Não temos compromisso com nenhum peixe, se tiver pargo é pargo, se tiver dourado do Rio é dourado. Precisamos sair desse modelo engessado e começar a ter referências boas sobre o que é bom e ruim, no final das contas, as coisas só vão mudar quando as pessoas botarem dinheiro na mão de quem produz direito.”
A proposta do McFish do Lasai na Junta Local é oferecer uma referência, segundo Rafa. No dia da feira o sanduíche foi servido com dourado, pescado recentemente em águas fluminenses por Amaral, o mesmo a figurar no cardápio do Lasai daquela semana. “Não tem erro”, proclamou Rafa.
O óleo ficou quente e os primeiros sanduíches começaram a sair. Uma fila se formava em frente à barraca do Lasai e Rafa se silenciou novamente.
>> Este texto faz parte da edição #8 de 2018 da Revista da Junta Local <<
Crédito das fotos: Samuel Antonini