Texto por Thiago Nasser
Para nos aventurar na nossa primeira “crítica” gastronômica dentro da Revista da Junta Local, escolhemos o Lilia, restaurante localizado no centro da cidade que tem se notabilizado pela sua boa razão custo-benefício, oferecendo bem apresentadas combinações de entrada, prato principal e sobremesa por menos de 50 reais. São muitos os restaurantes com maior ambição gastronômica que recentemente adotaram esta fórmula, buscando driblar a crise. Na maioria dos casos, no entanto, o que se observa nos cardápios é uma procissão de tilápias, filés de frango e falta de imaginação, numa abdicação quase que confessa de que os bons pratos ficam para a noite ou os finais de semana. Nesse cenário, o Lilia se destaca pela admirável proposta de buscar fazer o melhor dentro desta faixa de preço com um foco na qualidade de ingredientes que costuma ser seara exclusiva de restaurantes estrelados e caros (e, a bem da verdade, mesmo nestes casos, um discurso muito mais que uma prática).
O espaço é comandado pelo jovem chef Lúcio Vieira, que após passagens em restaurantes da cidade como Aprazível e Zazá Bistrô, se juntou com o primo para abrir o Lilia, nome da sua avó. “Queria abrir um lugar muito bom, mas acessível”, conta Lúcio. A escolha da localização, na Rua do Senado, nos andares superiores de um sobrado, é a primeira parte da equação para atingir este objetivo, facilitado pelo aluguel mais barato comparado a pontos em outros bairros e também pela proximidade ao grande fluxo de pessoas no Centro na hora almoço.
A segunda parte da equação está na concepção de um cardápio enxuto e modo de se relacionar com produtores e fornecedores. Lúcio construiu uma íntima relação com o produtor Mateus Salim, também conhecido como Jaca Tupé, integrante de um grupo de produtores de Teresópolis, que é quem pessoalmente faz entregas semanais. Os itens não são aqueles encomendados por Lúcio de acordo com uma ideia de cardápio; são aqueles que estão em época. Lúcio busca saber de antemão quais serão os produtos que chegarão, porém muitas vezes é surpreendido por algo novo (“confesso que nem sabia o que era chaya, agora uso bastante”) ou pela quantidade (“de repente chegam 200 espigas de milho e eu tenho que pensar num cardápio com milho feito de pelo menos dois jeitos diferentes”).
A criatividade do chef é indispensável neste “game-show” da sazonalidade. Para variar e extrair diferentes tons e texturas de ingredientes, Lúcio recorre frequentemente à brasa (batatas-doces sempre apareceram agradavelmente chamuscadas nas nossas visitas) e escalfa (quer dizer, ferve rapidamente) legumes que normalmente comemos refogada, como couve. Outra boa sacada de Lúcio é o uso de kefir de leite, trazendo acidez às saladas e sobremesas (frutas, granola da casa e kefir foi a melhor e mais original que provamos) e também do leitelho que sobra na produção do primeiro para amaciar e saborizar feijões.
A combinação do bom uso da técnica e a abundância e variedade de verduras e legumes é a característica mais marcante e ponto alto da cozinha do Lilia. Eis, por exemplo, como Lúcio e sua equipe nos salvaram do império tirânico da alface, rúcula, tomate, cenoura e beterraba no reino das saladas: batata-doce na brasa com nirá e feijão branco, agrião tostado com vinagrete de uva, flores de ipê e semente de girassol; coração de alface, serralha, semente de girassol e creme de abacate.
Esse jogo bonito com os legumes continua na companhia aos pratos principais, que ganham corpo com uma inteligente escolha de grãos (feijões, cevadinha, canjiquinha) e tubérculos (cará, batata-doce), e carnes (há sempre uma opção vegetariana de prato principal). Sabiamente, Lúcio dá preferência a cortes “menos nobres” como sobrecoxa, no caso da galinha, ou a peixes como a sardinha. “É mais difícil comprar carnes de pequenos produtores, prefiro usar coisas alternativas para poder pagar bem o Mateus e não ter que aumentar meu custo sem necessidade.” Nas nossas experiências, as carnes nem sempre se sobressaíram, principalmente no caso dos peixes, que chegaram um pouco além do ponto certo de cocção. Mas não se trata de regra geral: se numa visita a sobrecoxa desossada na brasa com salada de quiabo e couve tostada ou uma das composições com copa-lombo estiverem no cardápio, não pense duas vezes.
Do Lilia saímos com a impressão de que “bom e barato” não dá a dimensão da revolução que este restaurante está empreendendo. A cozinha de Lúcio Vieira é o mais vivo e efetivo exemplo no Rio de Janeiro de que a filosofia do campo à mesa é deliciosa e está ao nosso alcance.
Lilia
Rua do Senado, 45 – Centro
segunda a sexta-feira | 11h30 às 15h
sábado | 12h às 16h
>> Este texto faz parte da edição #8 de 2018 da Revista da Junta Local <<
Crédito das fotos: Samuel Antonini