Fazenda Vermelha: Estrada Mendes-Piraí, km 4, Mendes – RJ
Cabanha Mirabeau: Rua João A. Figueiredo, 990, Vassouras – RJ

Acorda cedo, checa se nada está ficando para trás, joga a bagagem no porta-malas, verifica o GPS, dá partida no carro. Prontos para pegar a estrada. Uma atípica garoa fina cobria o Rio e foi preciso negociar com o pesado trânsito para finalmente ganhar velocidade e sentir o frio na barriga que antecede qualquer viagem.  Seriam sete dias de viagem e um intenso itinerário de visitas a cinco produtores (que viraram seis).  A viagem tinha grande significado para nós da Junta Local. Depois de mais de um ano trazendo produtores para a cidade, havíamos aprendido bastante, como boa parte do nosso público, mas, no fundo, a realidade no campo no Brasil é apenas um conceito abstrato, embaçado por um imaginário idílico do rural. Seria preciso ir até os produtores para começar a refazer essa imagem.

Duas horas de Via Dutra e mais um trecho da estrada que leva até Mendes, e avistamos numa curva muros pintados de vermelho-sangue. Estávamos na Fazenda Vermelha. A fazenda estava dentro do roteiro desenhado por Daniel Martins, do Queijo com Prosa, que nos acompanhou na viagem e serviu como nosso guia na visita a produtores de queijo (mais sobre isso no nosso post de introdução à viagem).

A Fazenda Vermelha produz queijos frescos de leite de vaca (as cremosas burrata, ricotta e straciatella) e também abriga os tanques de fermentação da Röter, uma cervejaria artesanal emergente que também cede espaço para cervejarias ciganas. Daniel é especialista em harmonizações de queijo com cerveja. Estava explicada a escolha da primeira parada.

Esticamos as pernas e nos encontramos com Leonardo Toledo, proprietário e administrador tanto da Fazenda Vermelha como da Röter, e Igor, mestre-cervejeiro que auxilia em todo processo. Antes de começar o tour programado, Leo nos contou um pouco sobre a história da fazenda. Como toda a paisagem do interior do Rio, o local foi refletindo a passagem entre diferentes ciclos de prosperidade e decadência. Numa encarnação não muito distante, o carro-chefe da fazenda e de toda região era o gado leiteiro. As fazendas por muito tempo abasteceram cooperativas e empresas de leite, até que o preço do litro do leite despencou.

Leonardo foi criado no Rio mas decidiu estudar agronomia na Universidade Federal de Viçosa e depois dos estudos resolveu empreender. Do leite da fazenda da família poderiam ser feitos queijos artesanais com maior valor agregado. Foram anos de aprendizado e visitas à Itália para entender o processo de produção. Além disso, o espaço do galpão poderia abrigar toda a produção de cerveja artesanal. Diversificação e produção com maior valor agregado, esse é o futuro das pequenas propriedades do estado.

Leonardo Toledo

Mas antes de visitar o laticínio demos uma passada pelo galpão onde ficam os tanques de fermentação das cervejas. Cada um armazena litros de diferentes estilos. Pudemos provar algumas das novas criações da Röter direto da fonte, e vimos que ao lado de fora estava sendo preparada uma área própria para receber visitantes e oferecer degustações.

A área de produção de queijo fica numa construção especial, com entradas protegidas para que não aconteçam possíveis contaminações. Para entrar é preciso calçar botas de borrachas e um jaleco especial. Através de uma janelinha pudemos ver os tanques onde o leite era coalhado e as máquinas que despejavam bolinhas de burrata, brancas como a neve.

O passeio pela fazenda terminou na cozinha, onde já nos sentimos em território familiar. A burrata e a ricotta fresca são queijos sutis, com um dulçor fresco. Assim, quanto menos intervenção na degustação melhor. No caso da ricotta, bastou espalhá-la numa torrada. A burrata foi regada com azeite e recebeu noz-moscada ralada na hora e algumas folhas de manjericão. Devoramos tudo enquanto Leo se recordava da produção da burrata na Itália, do processo ainda utilizado lá, totalmente manual e produção em pequeníssima escala, o que nem sempre é possível fazer aqui.

Café da manhã tomado e tivemos que nos despedir da Fazenda Vermelha, pois estava na hora de seguir para o próximo destino – teoricamente o Capril do Bosque, no interior de São Paulo. No entanto, um dos integrantes da Junta Local pescou da sua carteira o cartão de um produtor de leite de ovelha com quem havia conversado por diversas vezes por telefone para marcar reuniões, que nunca aconteciam por desencontros. Seu sítio ficava perto de Vassouras, não muito longe. Esse produtor criava ovelhas e a Junta Local tem um carinho especial por esses bichos, assim como cabrinhas… um telefonema e estávamos a caminho da Cabanha Mirabeau, um laticínio de leite de ovelha comandado por Pedro Porto.

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Para chegar até o Sítio Mirabeau, onde fica a Cabanha, contornamos o centro histórico de Vassouras e seguimos por uma das estradas que levam até a zona rural do município até chegar ao endereço indicado. Entrando no sítio já topamos com as ovelhas, criadas soltas no terreno ao redor de uma bonita casa de fazenda. Pedro Porto, “pai” de todas aquelas belezinhas, nos esperava.

Cabanha Mirabeau

Se as ovelhas são recatadas e ariscas, Pedro é o contrário, falante e expansivo. Rapidamente estávamos acompanhando a sua história de vida e como ela tinha desembocado naquele cantinho do interior do estado. Pedro já trabalhou com tudo e morou em diversos lugares, até no Tocantins, numa imensa fazenda de gado, típica do agro-business, algo que influiu na sua decisão depois de querer ter uma produção menor, com maior qualidade. Por um tempo morou em Gramado (RS) e foi lá onde teve contato pela primeira fez com a ovinocultura.

Essas duas experiências o levaram a criar a Cabanha Mirabeau, no sítio da família perto de Vassouras (RJ). Isto foi em 2009, e de lá até o dia da visita, Pedro, um autodidata, trabalhou com afinco até conseguir chegar ao seu rebanho de 130 ovelhinhas, uma área de ordenha moderna e um laticínio reluzindo de novo, seguindo todas as especificações técnicas, para produzir maravilhas a partir do leite de ovelha. Os primeiros produtos foram um queijo frescal, iogurte e doce de leite (mais sobre isso no próximo parágrafo), mas, inquieto como é, Pedro ainda planeja lançar um queijo de ovelha curado, um tipo feta e ainda gelatos, que inclusive já foram testados em feira da Junta Local.

Os desafios de Pedro são aqueles comuns a todos os pequenos produtores: trabalho duro em todas as posições do campo (produção, desenvolvimento, comercialização), dificuldade para atingir escala e escoamento estável, e falta de apoio de entidades públicas. Mas aos poucos a produção foi engrenando e apesar das dificuldades, Pedro hoje atende, além da Junta Local, bons restaurantes da cidade e clientes particulares. Ele é auxiliado por seu filho Henrique no sítio e Pedro na cidade.

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Aprendemos tudo isso enquanto visitávamos a área de ordenha e o laticínio até finalizarmos o tour na casa da fazenda defronte uma enorme panela cheia de iogurte. Fomos levando colheradas à boca com as ovelhinhas da raça Lacaune logo ali, ao alcance dos olhos. O iogurte era fresco, tinha sabor de leite de verdade e possuía uma cremosidade viciante. Logo depois provamos o doce de leite que arrancou suspiros e deu vontade de abraçar cada uma das ovelhinhas ali fora. Mas apenas abraçamos o Pedro, que logo depois reveríamos na Junta Local, e pegamos a estrada.