Texto pela correspondente internacional, Ana Carsalade

Frequentar supermercados é um ato tão corriqueiro que mal nos damos conta das várias “engenharias” que são feitas para nos estimular a comprar mais: os ambientes sempre fechados com música agradável para não nos darmos conta do passar do tempo, o posicionamento de compras por impulso perto das filas do caixa, a localização de produtos de menor valor agregado (como frutas e verduras frescas) nas extremidades, e por aí vai.  Em suma, o espaço é concebido como local de consumo e assim nem sempre é interessante mostrar a parte mais “feia” da produção e distribuição de comida.

Mais um exemplo disso é o seu destino perto da data de validade e também o de seus resíduos. Sempre vemos as prateleiras cheias (uma das funções dentro de um supermercado é a do repositor) e magicamente repostas, de modo que mal temos tempo de refletir sobre o que acontece com os alimentos que não são vendidos à medida que sua data de validade se aproxima. Caso não saiba, a maioria vai para o lixo, mesmo que ainda em perfeitas condições de consumo.

O que acontece nos supermercados é apenas um retrato de um cenário maior. Aproximadamente um terço de toda a comida produzida no mundo por ano vai parar nas latas de lixo junto com toda a água, energia e outros recursos necessários para sua produção, segundo dados da FAO. Ao mesmo tempo, estima-se que existe quase 1 bilhão de pessoas em situação de má nutrição ao redor do globo. A coexistência do enorme desperdício e a fome são clara indicação de que o gargalo não é a produção, mas sim a redução de ineficiências e a derrubada de algumas práticas. Felizmente alguns países estão reconhecendo esta contradição e tomando medidas.

Na França, o governo começa a agir em direção a um sistema alimentar mais justo e eficiente. A nova lei, que teve aprovação unânime no congresso, proíbe os supermercados de jogarem fora ou destruírem alimentos em boas condições de consumo que não foram vendidos, e os obriga a fazerem doações para instituições de caridade e bancos de alimentos.

A partir desta semana, os supermercados franceses com uma área superior a 400m² não poderão mais jogar fora alimentos que estejam se aproximando da data de validade e nem destruir intencionalmente, a fim de impedir que pessoas em necessidade busquem comida em bom estado nas lixeiras. Os grandes varejistas terão ainda que assinar contratos de doação com as instituições de caridade e bancos de alimentos, e caso não o façam, enfrentarão multas no valor de €3.750.

Apesar ser um pequeno passo, uma vez que os varejistas são responsáveis por apenas 11% das 7.1 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados na França por ano, a lei coloca em pauta um assunto de extrema relevância no cenário global. Além disso, pretende educar as pessoas acerca do tema, já que a maior parte do desperdício em países mais desenvolvidos é de responsabilidade do consumidor final.

No Brasil, como em outros países em desenvolvimento, a situação é um pouco diferente. Há desperdício em toda a cadeia produtiva devido a deficiência de infraestrutura e problemas referentes ao transporte e ao armazenamento, e a maior parte ocorre antes de chegar ao consumidor.

Segundo dados da Embrapa, 40 mil toneladas de comida vão parar no lixo todos os dias. Estima-se que essa quantidade poderia alimentar cerca de 20 milhões de pessoas diariamente, em um país onde a privação de alimentos ainda atinge 22% das famílias (PNAD, 2013).

Existem iniciativas nacionais importantes de combate ao desperdício como o Mesa Brasil SESC, que atua como uma rede nacional de bancos de alimentos, conectando empresas que doam e instituições que recebem as doações de comida. No entanto, a legislação é ultrapassada e inibe a doação por empresas e restaurantes devido a responsabilidade civil e penal em caso de dano ao beneficiário.

Neste sentido, o combate ao desperdício exige um esforço de diferentes esferas. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estuda a criação de uma rede de instituições em torno da cadeia produtiva de alimentos no Brasil para conter as perdas e o desperdício e abordar os diferentes ângulos do problema.

Enquanto isso, no lado do consumidor, podemos nos responsabilizar pelo desperdício que ocorre diante de nossos olhos e engajar mais pessoas nesse esforço. Que tal, vamos falar sobre isso?

FONTES:
The Guardian

Agência Brasil
Embrapa
FAO 2013

Fotografia: Bertrand Guay/AFP