Grande parte do nosso trabalho aqui na Junta Local consiste em fazer a “curadoria” de novos produtores, isto é, selecionar gente que faz comida boa, local e justa para participar das nossas plataformas. Esse trabalho não envolve simplesmente analisar a qualidade dos produtos finais antes deles serem oferecidos nas feiras, mas todo um diálogo para, por um lado, nós entendermos os valores que motivam produtores interessados e, por outro, para os próprios produtores entenderem as motivações da Junta Local e como nossos princípios se traduzem em práticas. Além disso estamos sempre de olho aberto para produtores que “pensam fora da caixa”, pessoas sonhadoras e criativas que através da comida conseguem mostrar novas formas de produção e relacionamento. Este é certamente o caso de alguns dos novos produtores que se ajuntaram neste começo 2017. Se você ainda não topou com eles na feira ou na Sacola Virtual, aqui está uma breve apresentação de cada um.
João Hermeto . ASA Açaí
Tucupi? Taperabá? Tapioca? Todos sabem que a origem dos ingredientes que na última década expandiram nosso repertório culinário é a Amazônia, vasto repositório da biodiversidade que se traduz numa miríade de sabores. Muitos ainda são vistos como exóticos, mas a tendência é que, graças ao trabalho de introdução e popularização por chefs, eles sejam utilizados cada vez mais no dia-a-dia. O açaí é o exemplo mais clássico disso, passando de fruto conhecido apenas no Norte para coqueluche entre malhadores, por causa de suas qualidade nutritivas, até virar item básico em qualquer lanchonete. Ao longo desse processo, uma cadeia produtiva é criada, e a armadilha é que essas comidas virem commodities, percam seu valor intrínseco e também deixem de favorecer as pessoas envolvidas na produção.
Para evitar que isso aconteça, felizmente existem pessoas como João Hermeto, criador da ASA – Ação Sustentável da Amazônia. Formado em Geografia, João juntou o wanderlust inerente à profissão e a consciência gastronômica desenvolvida no Restaurante Aprazível, onde também trabalha para criar uma ferramenta capaz de promover a ASA. O propósito é, em primeiro lugar, demonstrar a potência da gastronomia como ecologia, criando paladar – e, consequentemente, demanda – e consciência por produtos que podem ajudar a manter padrões de extrativismo e produção que não sejam incompatíveis com a destruição de ecossistemas como a Amazônia.
Pensando dessa forma, ainda que o carro-chefe seja o açaí, a ideia é servir de ponta de lança para a introdução de outros produtos e também na criação de cadeias sustentáveis para cada uma delas. As andanças de João pela Amazônia o dotou de um conhecimento considerável da área e também o aproximou a cooperativas de pequenos produtores em toda região, que produzem desde derivados da mandioca, frutas, castanhas até o açaí. Além de representá-los, a ASA adota a prática de “rastreabilidade inversa”. Quer dizer que não apenas consumidores sabem de onde vêm os produtos, mas os produtores também sabem quem está saboreando seus produtos, a milhares de quilômetros de distância, o que lhes proporciona orgulho e informação importante no desenvolvimento de produtos e valores.
Na Junta Local, seus açaís puríssimos já puderam ser provados nas feiras – inclusive com a adição de Mel da Terra Verde e Granola Real – e agora chegam na Sacola Virtual. Mas este é apenas o começo da (inv)ação amazônica sustentável na Junta Local.
Beatriz, Marcelo e Pedro . D’Alga Aquicultura Urbana
Sim, todo mundo quando pensa em algas na gastronomia, pensa em nori – aquela folha verdinha feita a partir de algas prensadas utilizada na confecção de sushis. Mas, assim como o mar, o mundo das algas é muito mais extenso e diverso que isso e é um pouco desconcertante pensar que o Brasil, possuidor de uma das mais extensas costas marítimas do mundo, faça uso quase nulo desta riqueza.
Não precisamos esperar que surja o filho de Jacques Cousteau e Alex Atala para começar a explorar esse universo, pois entra em cena o trio de amigos Beatriz, Marcelo e Pedro. Formados em Oceanografia, Zootecnia e Biologia, eles foram unidos pela paixão por organismos aquáticos. No entanto, todo o conhecimento acadêmico adquirido (a Bia tem até um doutorado debaixo do braço) tinha pouca aplicação prática. Foi aí que surgiu a ideia de trabalhar com um cultivo voltado para a alimentação, algo – ;) – que aproveitaria o alto valor nutricional das algas, sem falar nas possibilidades de uso gastronômico.
A questão de ser “dono” de uma fazenda debaixo d’água foi resolvida de forma bem prática – cada um começou a testar o cultivo de macroalgas em suas próprias varandas, na cidade, criando microssistemas multitróficos (tradução: a integração de várias espécies da mesma cadeia alimentar no sistema produtivo) com a utilização de peixes, ostras e outros organismos que ajudam e melhoram a condição da água para a reprodução das algas. As “varandas” se uniram e agora o trio constrói uma pequena fazenda urbana marinha na Zona Oeste.
Fiquem de olho em sua participação na Junta Local. Nas feiras estão presentes com seu lúdico aquário, onde é possível não apenas ver uma “alface do mar” como levá-la para casa para complementar pratos, adicionando nutrição e gostinho de mar. Na Sacola Virtual, além da alface do mar, teremos também um sal de algas e o aosa, a alga seca e triturada que complementa todo tipo de prato.
Mateus Bichara . Cafezal em Flor
Mateus, formado em Arquitetura, faz parte da nova geração de uma família de cafeicultores no interior de São Paulo, mais precisamente em Monte Alegre do Sul, no “Circuito das Águas” do estado. Seus pais, um agrônomo e uma historiadora, viviam na cidade e sonhavam em voltar para o campo, e assim chegaram num antigo sítio, onde havia uma produção de café, com o intuito de abrir uma pousada. Pela proximidade com importantes fontes, a região do sítio obedece a leis especiais de controle de ocupação do solo e uso de água.
A lavoura de café foi pensada como forma de estimular o agroturismo, ajudando a reconectar paulistas ao passado cafeeiro do estado. Foram trazidas sementes e mudas desenvolvidas pelo Instituto Agronômico de Campinas, para fazer uma plantação de baixo impacto ecológico. Entre as variedades de café, nomes de origem Tupi como Catuaí e Obatã, que significam, respectivamente, “muito bom” e “folha forte”. Somada à altitude de 950m e condições climáticas favoráveis – um período chuvoso durante a florada seguido de uma seca para maturação dos grãos –, a pousada quase sem querer começou a produzir um dos melhores grãos do país, sendo eleito o 8º melhor café brasileiro no concurso da Semana Internacional do Café de 2015, o principal evento de cafés especiais do país. O melhor é que esse café é produzido em pequena escala, com uma preocupação grande em utilizar e qualificar a mão de obra local.
A pousada virou nome de café – Cafezal em Flor – e coube a Mateus, que faz frequentes visitas ao local para participar de cuppings (degustações técnicas de café), se tornar a ponte entre o público consumidor do café no Rio de Janeiro e a produção. Cada nova safra do café representa mais um passo no desenvolvimento do produto. Como ocorre na “terceira onda do café“, todas a cadeias produtivas estão mais integradas e regidas por um paladar mais sofisticado. É assim que a compreensão da torra e das técnicas de preparo final do café, desenvolvidas por baristas, se tornam cada vez mais cruciais na hora da produção.
Esperamos ao longo dos próximos anos, acompanhar as muitas floradas do Cafezal em Flor nas nossas xícaras!
Crédito das fotos: Samuel Antonini