O Sítio Caaeté está localizado em Santo Antônio do Pinhal, no interior de São Paulo. Lá, tudo é feito com a mão na terra, pé no chão e da forma mais natural possível, usando a natureza a seu favor a partir de um design ambiental inteligente. Com aproximadamente 20 hectares, o sítio familiar também abriga uma pousada que funciona há quase 20 anos.
André Cerveny chegou nesse sítio em 2014, junto com a mudança do seu pai, e foi aí que o projeto começou a ganhar corpo e alma. Com a ajuda de quatro funcionários e de amigos, o Sítio Caaeté faz um trabalho de permacultura, um sistema de cultivo ainda pouco compreendido.
Para entendermos melhor o sistema de produção do sítio, batemos um papo com o André, que explicou como funciona a produção agroecológica, falou sobre as atuais condições climáticas para o plantio e sobre o futuro do consumo sustentável.
Junta Local: Você diz que a produção é agroecológica e resiliente, me conta um pouco sobre esse processo de produção dentro desse design ambiental inteligente, como funciona?
André Cerveny: O objetivo dos plantios é que eles se tornem sistemas ecológicos resilientes em alguns anos, através do manejo agroflorestal sucessional. Ou seja, tentamos fazer cultivos com consórcios complexos de plantas comerciais e não comerciais, com ciclos de vida, tamanhos e propósitos diferentes dentro do sistema. Então, para que uma mesma área nos dê produtos variados ao longo de um período, contando com um aporte inicial convencional de adubação orgânica, colocamos um aporte não convencional de matéria orgânica para cobrir o solo e cultivamos diferentes plantas especialmente para produção de biomassa. Isso garante que nos próximos anos, usemos progressivamente menos insumos até o ponto em que o sistema produza sua própria fertilidade através das podas. Gerando mais do que consome. Acho que o ponto todo é esse, é a direção em que caminhamos, mas na pouca prática que temos, cometemos erros e algumas vezes temos que recomeçar uma área.
JL: Quantas pessoas trabalham com você atualmente? Como funciona a distribuição dos alimentos?
André: Sou eu, meu pai, um funcionário por meio período durante a semana, outro por um dia por semana e eventuais amigos que aparecem para dar uma força. Consumimos parte do que plantamos. A outra parte, processamos e vendemos em feiras como a Junta Local. Os produtos in natura são escoados localmente toda semana através da Banca Orgânica, uma iniciativa bastante importante para nós, que forma coletivos de consumidores de produtos orgânicos direto dos produtores.
JL: A produção sem aditivos químicos requer cuidados especiais, quais são eles?
André: Acho que o primeiro cuidado é com o preparo do solo (incluindo a cobertura morta), a escolha das culturas e a época. Além disso, cuidar para que haja a maior biodiversidade possível e as mais favoráveis relações ecofisiológicas entre o que está sendo plantado. Cuidar para que não falte água é muito importante também. Somente depois de tudo isso resolvido, ou num caso de emergência, é que usamos algum defensivo natural como alho, cinzas, pimenta, nim etc. Sabemos que as ditas “pragas” aparecem para nos ensinar onde estamos errando. Todos os seres vivos, com exceção do ser humano no seu estado atual, tem ao longo da vida um balanço energético positivo, ou seja, agem de maneira a aumentar a quantidade e a qualidade de vida consolidada no seu lugar. Então a formiga, por exemplo, quando ataca minha plantação, está fazendo esse trabalho. Cabe a mim entender o que estou fazendo de errado para que ela venha me corrigir dessa maneira, e não simplesmente matar o mensageiro (mesmo que de forma orgânica).
JL: Com a chegada da primavera, vocês tiveram que mudar alguma coisa dentro da estrutura de produção? Ainda falando sobre mudanças climáticas, como foi passar por um inverno quente e instável? Vocês deixaram de produzir alguma coisa por conta disso?
André: Estamos construindo uma casa para ser a sede do projeto e receber woofers [voluntário do programa WWOOF] e afins, e terminando de instalar um sistema de captação de água da chuva para irrigação, que nos dará certa segurança nos tempos de seca. Os invernos aqui tem sido cada vez mais quentes, e esse foi relativamente chuvoso, o que pra gente até foi bom (o inverno aqui é a época seca do ano), embora algumas culturas como a framboesa precisem de um período de frio para se desenvolverem. Mas o maior medo é que se repita um verão como o de dois anos atrás, quando ficou um mês sem chover. O clima está mudando mesmo, e a principal atitude que precisamos tomar é plantar florestas para minimizar o impacto de tanta destruição ao longo de tanto tempo, protegendo o local onde estamos dessas variações climáticas mais radicais. É possível e já está sendo feito em alguns lugares no Brasil e fora com resultados animadores, mas ainda é pouco, perto da grande pressão da pecuária e do agronegócio.
JL: Como você vê a permacultura dentro das novas tendências de desaceleração do consumo? Como você vê esse futuro?
André: Vejo essas novas tendências com bastante otimismo. Quando o “bacana” é consumir o produto local, com responsabilidade social e ecológica, isso acaba minando a própria lógica do consumismo. E é nossa responsabilidade não limitar essa tendência a um nicho social já privilegiado, tentando fazer os produtos chegarem a mercados diferentes com preços acessíveis. Senão o cara que não tem dinheiro vai continuar comendo miojo. É uma questão pedagógica também, de ressignificação da linguagem e dos valores na cultura de consumo. No entanto a permacultura, para mim, não se encaixa numa tendência de consumo. A palavra pode estar na moda, talvez, mas os princípios são universais, antigos e cada dia mais necessários, principalmente para quem está mais vulnerável. É até algo que pode tentar ser gourmetizado ou cooptado à vontade, acabará por ser um cavalo de tróia para quem se apropriar dela dessa maneira, pois é instrinsicamente revolucionária: é a busca e um caminho para a autonomia. Seus princípios básicos são o cuidado com a natureza, o cuidado com as pessoas e a justa distribuição dos excedentes. Se essa moda pegasse pra valer, imagina o que aconteceria…