Em 2017 relatamos aqui na Revista a nossa visita a uma casa no Jardim Botânico que havia se tornado o endereço de um trio pertencente à nova geração de padeiros artesanais da cidade. Compartilhando o mesmo espaço, João Pessanha (Araucária Pães Artesanais), Laura Neves (Jardim das Delícias) e Ruben Luckert (Dufte) mostravam não apenas da força do movimento que vem mudando a forma de se apreciar e consumir o pão na cidade, mas também do papel da cooperação no crescimento.
E de fato cresceram. O pão artesanal vem se disseminado de maneira lenta, porém solidamente pela cidade, provando que é mais que uma moda passageira e o ofício de padeiro artesanal mais que um hobby. Desde então, a padaria colaborativa ficou pequena. Os horários de produção de cada um não cabiam mais na grade de ocupação, o espaço não comportava mais os novos equipamentos, muitos adquiridos em conjunto. Mudar tornou-se necessário para crescer. João ganhou a participação de Nuno Zühlsdorff como sócio e parceiro de madrugada, e ambos conduziram a mudança da Araucária para a antiga The Slow Bakery, na Rua São João Batista. Laura se mudou para o campo, onde tem mais espaço e proximidade dos insumos que usa. Ruben por um bom tempo buscou uma loja para acolher sua produção e abrir uma “padaria café”, mas acabou rumando para a Alemanha.
Durante a pandemia, testemunhamos a corrida aos mercados e a perfis de Instagram para compra de fermento e tutoriais de como fazer seu próprio fermento e pão de fermentação natural, conferindo ao pão papel terapêutico e sinalizando que no mundo que sobreviver teremos ainda mais farinha, água, sal e fermento.
Nessa sexta-feira, 16 de outubro, é celebrado o Dia Mundial do Pão e resolvemos atualizar este texto, voltar aos três protagonistas para saber da mudança, do processo de crescimento e dos efeitos da pandemia. Segue abaixo a transcrição dos relatos de cada um, enviados por WhatsApp, sobre os motivos da mudança, o desafio do aumento da produção e a pandemia. Ruben não trabalha mais como padeiro, mas lembra com saudade dos tempos de Junta Local. Ainda que separados, vemos que a colaboração foi um dos principais fermentos do crescimento.
João Pessanha (Araucária):
“Saímos justamente porque não havia possibilidade de aumentar a produção diária na Araucária. Estávamos assando pão de segunda a sábado, no limite do limite da capacidade. Pegar o espaço da Slow foi o pulo rápido que pudemos dar. Ficamos com o forno deles, que tem uma capacidade 6 vezes maior que o nosso antigo forno. Isso foi fundamental, reduzimos o turno de forno de 7h para 3h produzindo muito mais e com melhor qualidade.
A pandemia mudou tudo pra gente. Até fevereiro entregávamos apenas para restaurantes e cafés. Em março, da noite pro dia, 100% dos nossos clientes fecharam. A gente conseguiu agir rápido pra botar o delivery de pessoa física de pé e tivemos um respiro até a abertura do comércio. Agora estamos meio a meio, trabalhando mais com delivery, pois a maioria dos clientes antigos não reabriu. Muita gente também começou a procurar a gente para revender nossos pães avulsos ou em cestas de produtores”.
Laura Neves (Jardim das Delícias):
“Eu sublocava a padaria da Araucária e por isso havia uma limitação dos dias em que eu podia usar o espaço. Eu queria ter a minha própria padaria para aumentar a minha produção e poder ter mais liberdade com meus horários e dias para produzir. Me mudei do Rio e fui morar no interior de Nova Friburgo com meu companheiro Marcelo, do Beira do Rio, que produz cogumelos. Assim construí minha padaria aqui no mato. Minha ideia com essa mudança era, além de expandir minha produção, também trabalhar cada vez mais com insumos locais. Morar e produzir em uma zona rural de nova Friburgo, em Macaé de Cima, me permitiu explorar cada vez mais essa ideia. Poder ter um espaço para uma horta e produzir um pouco do nosso alimento, criando uma autonomia alimentar também foi transformador. Para o pão uso as raízes e os ovos caipira (e também uso os ovos orgânicos do sítio) . Além disso já estou testando alguns produtos novos com outros insumos daqui, mas ainda em fase de testes. Para as geleias tenho um fornecedor perto que tem amoras orgânicas, as ervas e PANC que cultivo (ainda beeeem pouco, rs) quero cada vez mais também ter a possibilidade de usar nos produtos.
Minha produção aumentou e tive que me equipar com o maquinário que ainda me faltava. Assim comprei mais um forno ficando com o dobro da capacidade, uma masseira, uma bancada e outros equipamentos.
Na pandemia houve uma queda grande nos pedidos de lojas e cafés que representavam uma parte importante do faturamento. A paralisação das feiras também teve um impacto grande no faturamento. Tivemos que nos reinventar aumentando o canal de venda para o consumidor final. Criamos assim uma logística mais estruturada de entregas em diferentes pontos da cidade, coisa que não fazíamos antes. Além disso, o aumento significativo dos pedidos na Sacola Virtual ajudaram bastante. Com as feiras paralisadas a Sacola Virtual foi e continua sendo um canal importante de vendas dos nossos produtos. Notamos também uma grande necessidade dos clientes passarem a querer seus produtos sendo entregues em suas casas, diminuindo assim o seu deslocamento.”
Ruben (Duftte)
“Na Araucária eu consegui crescer do início de quando comecei, foi legal porque tinha um espaço maior que na minha cozinha caseira. Juntando as forças conseguimos comprar equipamentos, ou cada um trouxe um pouquinho, e todo mundo junto a gente conseguiu montar essa padaria de uma forma mais ampla do que cada um sozinho, e tivemos muitos aprendizados e ajuda, para cuidar do fermento, receber de um fornecedor.
Em algum momento cada um cresceu tanto que chegava no ponto que até o espaço maior da Araucária não dava mais conta e também pelos horários. Começamos a dividir os horários de uso, dividíamos o espaço de uma forma muito amigável e com carinho.
No meio disso comecei a procurar um espaço com o plano em mente de abrir uma “padaria café” onde poderia produzir e vender diretamente para o cliente. Esse era o intuito, mas essa jornada foi acompanhada por muito azar [nas tentativas de aluguel de espaço] e dificuldades que fazem parte do movimento de abrir um espaço físico, uma vez por causa de alvará, outra vez por causa de uma “luva” cobrada num valor muito alto. E aí a essa altura decidi voltar para a Alemanha e encerrar o projeto. Foi maravilhoso e amei, aprendi muita coisa. Teria sido bom abrir a loja, mas foi assim que aconteceu. Nos últimos tempos vendi meus equipamentos, em grande parte para parceiros da Junta Local. Foi muito legal fazer a feira, que gosto muito de lembrar. Fiz sanduíches, fiz um drinque com xarope de sabugueiro… bons tempos.”
