Por Thiago Nasser
Em 2017 publicamos nesta revista o depoimento da chef Roberta Sudbrack sobre a árdua defesa empreendida por ela para a mudança das legislações sanitárias que impossibilitam a comercialização de vários itens comumente usados em restaurantes da gastronomia: queijos de leite cru, embutidos artesanais e assim em diante. Viva-se ainda à sombra da sua cause célèbre, a apreensão e inutilização de produtos no Rock in Rio. Um desperdício de alimentos num país esfomeado e um atestado de insensibilidade a nosso patrimônio gastronômico. Os fiscais cumpriam seu dever, era preciso mobilização e consciência para mudar uma legislação ultrapassada, criada para a época da industrialização do sistema alimentar.
À época, muito por conta do ativismo da Roberta, parecia que os ventos começariam a soprar numa nova direção. Afinal, hoje em dia, a opinião de chefs (e seus muitos seguidores) importa. O Brasil também parecia prestes a chutar seu proverbial viralatismo, finalmente jogando para escanteio bries e salames importados e se orgulhando de seus Canastras e outros. Jogava a favor também esta ser uma bandeira que transcende colorações ideológicas: agricultores libertários, chefs avermelhados, caçadores de estrelas Michellin: a todos interessava uma legislação mais moderna. Veio até no governo Temer, sim dele, a aprovação do Selo Arte.
Essa evolução ao mesmo tempo em que mostrava que o grito de Roberta, e outros, fazia efeito, começava a fazer o tom do texto dela, que clamava por uma mudança de paradigma à la Copérnico, parecer um tanto exagerado. No entanto, parou aí. Não vieram outras legislações, não houve uma mudança de cultura das agências de regulação. E assim, outros casos de apreensão de produtos começaram a pipocar. E estes casos sempre servem de estopim para mobilizações.
Foi o que aconteceu com os nossos parceiros do Lano-Alto. Fermentadores de mão cheia, premiados no Brasil e afora, foram alvos de fiscalização no ano passado, o que gerou grande comoção nas redes sociais, e felizmente, fora delas também. Chefs e produtores se mobilizaram em São Paulo e conseguiram alguns avanços legislativos.
E eis que o mesmo raio volta a cair no Rio de Janeiro. No mês passado, nossos parceiros da The Slow Bakery, e outros empreendimentos da cidade, foram alvos de ações de fiscalização. Uma denúncia, que curiosamente também atingiu outros estabelecimentos, de forma orquestrada. Mesmo reconhecendo a qualidade dos produtos e boas práticas da Slow, tiveram que interditar a venda, pois a legislação ainda não permite a comercialização de determinados produtos sem selos específicos. Pouco importa se eles foram aprovados em outros estados ou possuíam selos, pouco importa se a estrutura burocrática do estado ainda não se atinou às novas legislações e ao fato que existe um enorme potencial de crescimento de pequenos produtores e desenvolvimento regional por trás disso. Em que pese a tristeza e a revolta por essa repetição da história que revela nosso atraso, nos unimos novamente para começar uma nova mobilização. Bateremos em portas e repartições, publicaremos textos, estudaremos decretos e portarias normativas escritos em juridiquês burocrático.
E, afinal, Roberta tinha razão. Continuamos como transgressores, continuamos sonhando. Ainda tem muita luta pela frente.