Por Maria Schatovsky
Afinal, o que é “vinho natural”? E todo vinho não é natural? Não, não é. Os vinhos, assim como a maior parte dos alimentos, sofreram com a industrialização do nosso sistema alimentar, e hoje, as garrafas que encontramos nas prateleiras de supermercado foram feitos com uvas de cultivo convencional, baseados em grandes monoculturas, empestados com fertilizantes sintéticos e agrotóxicos e, como se não bastasse, vinificados com diversos insumos enológicos que modificam e padronizam sabores, aromas e outros perfis sensoriais.
Então o vinho natural é o contrário disso? Apesar de ainda não existir uma certificação para vinhos naturais, como existe para orgânicos e biodinâmicos por exemplo, se convencionou que é um vinho elaborado com uvas limpas e justas e vinificado sem insumos enológicos – ou com uma mínima quantidade de SO2, os famosos “sulfitos” um tipo de conservante e estabilizante.
Qual é a diferença entre vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos? E ainda, o que são vinhos de vinificação natural, vinhos com mínima intervenção, vinhos artesanais e outras tantas definições que aparecem quando começamos a olhar o universo para além da produção convencional em grande escala?
Para começar a explorar esses termos, é importante diferenciar que o vinho possui duas etapas de produção principais: o cultivo da uva e o processo de vinificação. Nos vinhos orgânicos, as uvas precisam vir de agricultura orgânica certificada e a vinificação também precisa ser regulada pelas certificadoras. Os vinhos biodinâmicos seguem a mesma linha, precisam ter tanto o cultivo quanto a vinificação certificada de acordo com os preceitos biodinâmicos.
Lembramos aqui da discussão do Por Dentro da Junta de Julho, onde falamos sobre o que é local e sobre a importância de se conhecer produtores, a origem dos produtos e os processos, em consonância com o que é bom, local e justo. Esses temas estão na base da nossa luta por alternativas à industrialização e ao afastamento entre o campo e a mesa. Os processos de certificação vêm então como uma forma de garantia necessária para o sistema alimentar, principalmente aquele que busca modos de produção mais sustentáveis em todos os sentidos. As certificações são, em sua grande maioria, conquistas importantes e resultado de um trabalho de décadas para garantir que as designações estejam respaldadas por uma legislação e práticas de fiscalização. No entanto, o processo pode ser longo e tortuoso para obter os almejados selos, e pequenos produtores e aqueles em transição encontram diversas dificuldades técnicas e financeiras na produção e na disponibilidade de insumos adequados. Além disso, em muitos casos, como o da denominação “vinhos naturais”, elas ainda não existem oficialmente ou ainda lidamos com uma legislação bem atrasada ou não preparada para o pequeno.
O passo que nosso sistema alimentar ainda precisa dar em relação à transparência das cadeias produtivas é longo, mas por aqui, tentamos cada vez mais buscar formas de relação que consigam garantir isso ao consumidor, conciliando processos já existentes e o bom e velho papo reto. Quem sabe ainda teremos certificações que absorvam toda a complexidade do bom, limpo, local e justo?
Vinificação natural é você elaborar um vinho sem usar insumos enológicos. Você pode vinificar de maneira “natural” uvas que não são orgânicas ou provenientes de modelos produtivos limpos, e estes não serão naturais, mas sim vinhos de vinificação natural. A mesma coisa acontece com vinhos de uvas saudáveis, mas que ainda utilizam alguns processos de vinificação, como uso de sulfitos, insumos para clarificação, e que podem ser chamados por exemplo de vinhos com mínima intervenção. Muitos vinhateiros artesanais vinificam sem insumos enológicos e até sem SO2 uvas de vinhedos em conversão ou uvas convencionais de pequenos produtores ou cooperativas. Esses vinhos a gente chama de “vinho artesanal”, ou vinho “vinificado naturalmente”.
No fundo, não sei se ajudamos com essas explicações ou confundimos ainda mais os conceitos, afinal são “só” nomes e definições. Mas na Junta Local apostamos na proximidade de produtores e consumidores, promovendo diálogos, trocas e confiança de que o produto adquirido realmente possui os atributos descritos. Valorizamos o conhecimento a fundo do produtor, em saber como o vinho é feito, e ter respostas transparentes para assim poder fazer escolhas de maneira consciente.
Ressaltamos aqui a fala da Lis Cereja: “O movimento do vinho natural é muito mais que o vinho, é muito mais que a uva, é muito mais que um estilo de bebida. E a gente tem que sempre levar a informação mais clara e justa pros bebedores, para que eles possam escolher com consciência o que eles querem colocar corpitcho adentro.”
Ficou curioso sobre o mundo dos vinhos naturais? Aqui você confere nossa entrevista com a Lis Cereja e nosso relato da visita à Feira Naturebas. Deu sede? Acesse a Sacola da Junta e garanta já seus vinhos!