Por Maria Schatovsky

Quantas vezes paramos para pensar no que está por trás do nosso prato de comida e dos ingredientes mais presentes em nossas geladeiras e despensas? Quantas vezes o que sabemos não vai além do que está escrito nos rótulos, embalagens ou divulgado em campanhas publicitárias? Por isso, viemos hoje aqui empunhar nosso megafone e contribuir – como todos nossos textos publicados essa semana – por um olhar mais amplo do movimento ligado ao direito à comida. 

Sabemos que a escala de mudança que o sistema alimentar requer depende de ações no dia a dia, mas também de mobilização da sociedade civil e do Estado para que tenhamos mais políticas públicas e leis que as promovam. Neste “Fique de Olho” resolvemos trazer um pouco mais de voz e espaço no prato da nossa comunidade para o arroz do MST. Ele mesmo, que nas últimas semanas esteve como um dos assuntos mais comentados devido ao comentário de Lula em sabatina no Jornal Nacional – “O MST está fazendo uma coisa extraordinária: está cuidando de produzir. Não sei se você sabe, o MST, hoje, tem várias cooperativas e o MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.”

O arroz, que normalmente é disponibilizado na Sacola da Junta e no Assina Junta via COOPAN e Terra Livre, é fruto do trabalho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Essa reconhecida produção orgânica se concentra hoje no estado do Rio Grande do Sul, e é feita por aproximadamente 296 famílias, em 14 assentamentos, que se dividem em 11 municípios gaúchos e coordenada por diversas cooperativas. A produção do movimento é focada no arroz agulhinha longo fino, nas versões polido, integral e parboilizado, e, em menor escala, também produzem arroz cateto, vermelho, arbóreo e negro.

Essa produção foi um importante marco para o MST, que no início dos anos 2000, adotou o discurso da agroecologia, e foi justamente nessa época que as famílias assentadas começaram a plantar arroz orgânico. A cooperação e o cooperativismo estão presentes no movimento desde sua origem e o exemplo disso vem estampado nos pacotes de arroz que disponibilizamos na nossa plataforma.

Mergulhando um pouco mais nesses arrozais, a COOPAN – Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita – criada em 1994, juntamente com a criação do assentamento Capela, foi o resultado de uma luta que durou cinco anos de protestos, ocupações e de lonas em beira de estrada, em Nova Santa Rita, município da região metropolitana de Porto Alegre. Toda a lavoura é orgânica e agroecológica, além de que o armazenamento e o engenho são próprios da cooperativa – ou seja, ao contrário de grande parte dos produtores familiares, eles conseguem cultivar, processar e embalar dentro do assentamento. 

Apesar disso, a dificuldade de um é a dificuldade de outros, como comercializar esses produtos? Como possibilitar o acesso ao mercado de forma justa, valorizando o trabalho e o seu produto?

Os relatos de produtores muitas vezes incluem um desestímulo diante das dificuldades de comercialização do arroz. Grande parte dele costumava ser vendido por meio de iniciativas do poder público, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos, que nos últimos anos tem sofrido com cortes orçamentários e terceirizações.

Apesar disso, o poder do coletivo se mostra muito grande nessas horas, e em 2021, a COOPAN junto com outras três cooperativas de assentados lançaram a marca e cooperativa central de alimentos orgânicos “Terra Livre Agroecológica” como forma de organizar diversas cooperativas de assentados da reforma agrária e agricultores familiares, contribuindo ainda mais para uma venda direta e reforçando o papel social dos assentados enquanto produtores do alimento.

Como escrito na nossa Carta de Valores e Princípios, que norteia toda a atuação da Junta Local, “juntos vamos mais longe, é através do diálogo e cooperação que vamos ser uma alternativa capaz de transformar o sistema alimentar”. Não podemos deixar de levantar bandeiras como a erradicação da fome, da reforma agrária, da soberania alimentar, da diversidade, do incentivo a produtos locais, da democratização do alimento e da governança democrática. Megafone empunhado e arroz do MST no prato é cada vez mais necessário.

Você conhece e garante o arroz dos assentamentos e de diversos outros pequenos produtores através da Sacola da Junta. E se precisar de inspiração, acesse nossa Revista e confira a receita do Arroz Meloso de Cogumelos.

Fotos: Banco de dados Cooperativa Terra Livre