Em uma de suas mais célebres frases, Carlo Petrini afirma que “quem semeia utopia colhe realidade”. E não é para menos. O jornalista italiano que fundou o Slow Food, no já distante ano de 1986, é responsável, hoje, por uma rede com mais de 100 mil membros e escritórios espalhados pelos quatro cantos do mundo. A causa de Petrini é bastante familiar à missão que abraçamos na Junta Local: o direito à comida boa, limpa e justa. O movimento defende que o alimento deve ser devolvido ao lugar central que merece entre as atividades humanas e sua ação está focada no direito ao prazer da refeição, utilizando produtos artesanais de qualidade e elaborados de forma sustentável, respeitando o meio ambiente e as pessoas envolvidas no processo produtivo.
Lançado na Itália em 2005 e publicado no Brasil em 2009, “Slow Food, princípios da nova gastronomia”, é um dos mais inspiradores livros assinados por Petrini e tornou-se referência não só para gastrônomos, mas também para todos aqueles que têm interesse em temas como soberania alimentar, agroecologia, nutrição, novos arranjos produtivos e comércio justo, entre outros. Em pouco mais de 200 páginas, o autor apresenta os caminhos que o levaram a criar o Slow Food e, com uma redação leve e direta, nos alerta sobre a necessidade urgente de transformação do sistema alimentar global, como meio de garantir um futuro mais justo e sustentável para nós e para as futuras gerações.
“O ponto crucial não é mais a quantidade de alimento produzido, mas sua qualidade complexa, conceito que abrange questões de gosto e variedade, respeito pelo ambiente, pelos ecossistemas e pelos ritmos da natureza em geral, assim como o respeito pela dignidade humana. O objetivo é melhorar a qualidade de vida de todos, sem mais tolerar um modelo de desenvolvimento incompatível com as exigências do planeta”, destaca o jornalista em uma passagem.
O livro é dividido em cinco capítulos e Petrini inicia sua narrativa apresentando um “quadro pouco animador”, onde revela como, em tão pouco tempo, o processo de industrialização da produção de alimentos causou tantos estragos à qualidade da nossa alimentação, às culturas agrícolas tradicionais e à agrobiodiversidade do planeta. Para reverter este cenário, o autor preconiza um novo modelo de agricultura “desindustrializada” e defende que o velho consumidor, hoje “novo gastrônomo”, deve sentir-se como coprodutor, parte do processo produtivo, que conhece, influencia, apoia e recusa o equivocado ou insustentável. A esse ator, cabe a responsabilidade de fomentar a criação de comunidades produtivas com o alimento no centro, garantindo os valores necessários para que a sua produção seja realizada de maneira boa, limpa e justa.
O livro reúne ainda ferramentas que podem ajudar na missão de preservar a biodiversidade na cadeia de distribuição alimentar, difundir a educação do gosto e aproximar produtores de consumidores através da criação de redes, eventos e iniciativas educativas. Petrini cita exemplos pessoais e apresenta iniciativas desenvolvidas pelo Slow Food, como as “Fortalezas”, que ajudam pequenos produtores a resolver suas dificuldades, conectando-os com mercados alternativos; e o “Terra Madre”, encontro que reúne comunidades, chefs de cozinha e representantes do mundo acadêmico, que querem agir para preservar, encorajar e promover métodos de produção alimentar sustentáveis, em harmonia com a natureza, a paisagem e a tradição. “Sensorialidade, sensibilidade, convívio e escola, experiência e informação são os passos para se apoderar da realidade, viver o direito ao prazer e procurar a felicidade por meio do único recurso insubstituível para o homem, o alimento”, destaca ao abordar a importância da nossa formação como coprodutores.