Acabamos de completar oito anos de existência. Estamos publicando nesta Revista um relato do Moinho Aberto, um reencontro com o passado e ao mesmo tempo um vislumbre do futuro, efeméride que calhou bem como um dos momentos de celebração. Outro momento publicado “volta ao futuro” é o Assina Junta, nossa plataforma de assinatura. Apesar de ser algo inédito na Junta, trata-se da nossa versão dos CSAs (comunidades que suportam a agricultura), um sistema que há décadas vem mobilizando consumidores e produtores em diversos países, como comentamos aqui, e que nos serve de inspiração. Mas também olhamos para o futuro ao ampliarmos o raio de produtores que a assinatura abraça. Além de agricultores são padeiros, queijeiros, cervejeiros, torrefadores, em suma, toda uma comunidade de produtores locais, resultando numa “comunidade que suporta a comunidade”.
Era esse tipo de pensamento meio abstrato sobre as vicissitudes do tempo e do espaço que flutuavam na minha cabeça enquanto empilhava caixas como preparação do Moinho Aberto, no último dia 20 de agosto. O misto de nostalgia e apreensão sobre o futuro causado por datas comemorativas.
No dia seguinte aconteceu o evento em si. Com os preparativos de última hora, como reza a cartilha, e nervos à flor da pele, estes pensamentos foram estancados por um tempo. Começam a chegar rostos familiares e outros desconhecidos. Juntamos sob o mesmo teto (em processo de reparo, diga-se), nossa comunidade – antigos frequentadores de feira e compradores da Sacola da Junta, benfeitores que participaram da nossa campanha de financiamento coletivo, produtores ajuntados, chefs e cozinheiros da cidade – e neófitos – os vizinhos e curiosos desavisados e até um casal de fotógrafos obcecado por ruínas urbanas (tudo bem, a ruína de uns é o galpão dos sonhos do outro).
E aí vem aquele momento em que apertamos o pause no meio do turbilhão. Os olhinhos da nossa equipe e de amigos se cruzam e pelo olhar de cumplicidade era como se estivéssemos falando: “é sobre isso!”. Um filmezinho de tudo que aconteceu até agora foi passando em câmara lenta. E aí se inicia uma outra viagem, não são apenas os ciclos de tempo que dão um jeito de se fecharem e reiniciarem, mas também os círculos de pessoas que vão se delineando como parte dessa missão que é a comida.
Começo a pensar como, olhando para trás, foram muitos os círculos que nos abraçaram para que pudéssemos formar os nossos dentro desta empreitada coletiva.
Num dos cantos do galpão, por exemplo, vejo os materiais da Rede Ecológica, grupo de consumo coletivo pioneiro no Rio de Janeiro e que hoje é parceira, ao ocupar nosso galpão para seus mutirões e no compartilhamento de fornecedores. Iniciei minha jornada no mundo da comida local como membro da Rede Ecológica, e, de certa forma, continuarmos lado a lado é uma ampliação deste círculo. Miriam Lagenbach continua como referência, e temos a presença de Sol, Beto, Caro e outros membros desse coletivo transitando no nosso galpão semanalmente.
Daqui a pouco topo com Danni Camilo, a admirável restaurantrice carioca que está por trás de excelentes restaurantes e que com sua capacidade de compartilhar conhecimento e incentivar cria círculos e mais círculos de energia em torno dela. Foi através dela, na época integrante parte do Polo Gastronômico de Botafogo, junto com Fernando Blower, atualmente el presidente do SindRio que as portas se abriram na prefeitura para que pudéssemos apresentar nosso projeto de feiras fixas de rua.
Foram muitos os círculos como estes que se encadearam para que pudéssemos chegar até os nossos oito anos. Poderia falar dos colegas da Comissão de Produção Orgânica do Rio, que se mobilizam em prol de políticas favoráveis mesmo contra a maré, dos agentes públicos que trouxeram o Fórum do Pacto de Milão para o Rio de Janeiro. Juntos formam um notável corpo de evidência que prova que, como nenhuma rede é uma ilha. Que em breve o galpão possa ser mais casa da nossa comunidade e das muitas redes que a rodeiam.
E, olhando para o futuro, estes círculos se tornam cada vez mais amplos. Aos poucos vamos conhecendo mais grupos em outras cidades com propósitos parecidos. Tão surpreendente como é a existência deles é a falta de articulação entre eles. Grupos de CSA em Belo Horizonte não conhecem os de São Paulo. Estes por sua vez não conhecem ativistas e empreendedores da comida no Rio de Janeiro, que também sabem pouco dos das iniciativas que unem pequenos produtores ou neorrurais no Brasil inteiro. É necessário, sair das panelas: um movimento robusto pela comida será efetivo somente quando estes muitos ingredientes necessários se conheçam e troquem seus sucos e sabores numa grande caçarola.
Há bons exemplos de como fazer isso no Brasil e há pouco tempo ingressamos na World Farmers Market Coalition, que reúne agremiações e organizadores de feiras de produtores no mundo todo. Após uma reunião com os principais organizadores, entre eles Richard MacCarthy, também conselheiro do Slow Food, e Carmelo Troccoli, da Fondazione Campagna Amica, está se iniciando um processo de troca que passará também pela discussão dos desafios que nossos pares enfrentam por toda parte: os dilemas da digitalização, governança, políticas públicas e o resgate dessa forma de troca importante para cidades e para o sistema alimentar.
E, falando com outros membros deste grupo, os organizadores do Groent Markede de Copenhagen vemos o quão idênticos são os problemas. Há pouco tempo, numa reunião virtual em que Viola, Mia, Rich e Julia, organizadores do mercado, se apertavam para aparecer na tela numa tarde ensolarada de verão, falamos desde questões mais triviais como decidir quais produtores participam dos mercados até as mais cabeludas como buscar formas de viabilidade financeira. O que acontece sob as barraquinhas na Dinamarca é muito parecido certamente com o que acontece sob as de Nairobi e as nossas aqui.
Que nos próximos anos mais ciclos se inaugurem e os círculos sejam cada vez mais amplos e capazes de abraçar mais gente.