Como disse o autor do livro Cozinhar, Michael Pollan, os chefs estão com o megafone cultural no momento. Os melhores buscam não apenas oferecer boas experiências gastronômicas mas incitar a reflexão sobre a Comida. O mais renomado chef brasileiro, Alex Atala, recentemente escreveu um depoimento para o MAD3, publicado na revista Lucky Peach que certamente instigará quem se importa com a boa comida.
Link original: http://luckypeach.com/eat-yourself-better/
Tradução:
Como chef, sei que as pessoas vão ao D.O.M. para fazer uma bela refeição. Sei que elas não vêm para ouvir um sermão – elas não querem ouvir chefs falando sobre o que é bom e o que é saudável, o que eles fazem na cozinha para alimentar seus filhos. O restaurante não e hora para isso, mas pode ser um lugar onde as pessoas começam a refletir sobre a comida. Pode-se pensar, jamais comi isso, ou de onde isso vem? Esse tipo de curiosidade planta uma semente: uma semente que pode trazer novas ideias, significado novo, nova compreensão.
Algumas perguntas nunca terão resposta unânime, como “O que é comida boa, o que é saudável?” Cada um tem sua opinião, sua própria concepção”. Mas se você pergunta “O que é comida ruim?” Quase todos concordarão com a resposta.
Acredito que o próximo passo para chefs e a cozinha, não é tentar mudar a cabeça das pessoas, mas servirem de inspiração para que as pessoas ajam, cozinhem e comam de acordo com suas próprias crenças. Se concordamos com o que é ruim e não compramos ou comemos ou usamos esses ingredientes, isso criará uma nova demanda do mercado.
Como isso pode funcionar? Darei um exemplo: Há uns cinco anos, comecei a servir formigas no D.O.M. e as pessoas surtaram. Entendo – comer insetos poder ser nojento. A nossa cultura pensa nos insetos apenas como última alternativa de proteína. Não comemos merda. Não comemos vômito. Não comemos coisas nojentas. Mas o que é mel? Mel é vômito de abelha.
É claro que a maioria de nós não sabe disso. Hoje em dia, nós como seres urbanos, como chefs urbanos, estamos bem desconectados do ingrediente em seu estado primário. Não estou nem falando do maracujá ou algo exótico. Estou falando de algo mais simples. Quantas pessoas conseguiriam reconhecer uma macieira sem a fruta no galho? Quantas pessoas passam por uma lavoura e conseguem reconhecer que é um arrozal? Muito poucas.
Quando vou para o Amazonas e trabalho com uma tribo, cada mulher da tribo tem sua própria roça. Se a fruta de uma mulher não é tão gostosa quanto a das outras, ela continua plantando-as. Por que? Porque vai ter um ano em que não vai chover tanto e a fruta que nem é tão bonita ou gostosa como as outras vai crescer ainda assim, e será a única que todos poderão comer. Essas mulheres, não produzem comida para ficarem bonitas ou ganhar dinheiro. Elas produzem para terem uma vida mais longeva. Isso é biodiversidade. Quando falamos de biodiversidade, não há valor – mas quando saboreamos ou vivemos a biodiversidade, há.
Como chefs, perdemos isso de vista. Vá a um restaurante – é atum e salmão para todo lado. É um problema e não é saudável. Hoje é difícil convencer pessoas a comerem sardinhas, anchovas, caval da mesma forma que comem atum ou salmão. Mas se um punhado de chefs “cool” começam a usar anchovas, sardinhas e caval, acredito que em alguns anos algumas mudanças serão perceptíveis. Trabalhar, cozinhar e comprar certos ingredientes: isso pode transformar o mundo para o melhor. – e, como chefs, a Levar à ação é o nosso objetivo e como chefs a nossa “ação” acontece no restaurante.
Como melhoramos? Usando o ingrediente inteiro. A porra inteira. Quando você vai ao mercado, você nunca verá uma metade de maça à venda. Então porque compramos meio peixe? Por que compramos apenas a perna da galinha? Para onde vai o resto? Vira ração de cachorro ou gato? O que significa o resíduo quando pensamos na situação global? Onde as coisas vão parar?
Nada deve ser jogado fora. Ainda pagaremos por isso. Se as pessoas começarem a comprar apenas peixes selvagens e só aproveitarem o filé o custo será altíssimo. Mas se você usa o bicho inteiro, inclusive a cabeça e a pele, o que vai ser caro? Caro para mim não é o quanto pago – é o quanto jogo fora de um ingrediente.
Essa é uma barreira que precisamos vencer, e a mudança virá aos poucos. Por que você para o carro no farol vermelho? É para ajudar o trânsito da sua cidade. É bom para todos. Você pode fazer o mesmo no cotidiano e as pequenas mudanças podem ajudar a todos. Se concordamos sobre o que é ruim e decidimos não comprar ou usar ou comer esses ingredientes, o sistema alimentar mudará. Não acredito na guerra, mas acredito na força dos números.
Quando começamos a usar formigas todos se assustaram. Mas, agora, muitos outros fazem o mesmo. Quando matei uma galinha no MAD3 [um encontro de chefs promovido por René Redzepi para debater a gastronomia] muitos se indignaram, mas fiz aquilo para mostrar um ponto, que toda vez que decidimos comer algo que estava vivo um dia, sobrevém a morte.
Os avanços não acontecem facilmente. O mundo precisa de atitude. Atitude, hoje em dia, significa mais do que dinheiro. Dinheiro é a última coisa. Precisamos de boas atitudes e boas ideias para que as mudanças aconteçam – e isso não se compra.
Crédito da ilustração: Maxwell Holyoke-Hirsch