Por Thiago Nasser
Quem passeia com o olhar mais atento pelas gôndolas de supermercado ou, já que estamos em tempos de pandemia, dá scroll nos sites dos grandes mercados online, percebeu uma novidade onipresente no último ano: a proliferação dos hambúrgueres feitos sem insumos animais. O design das caixas é bem bolado, os nomes aludem a uma forma revolucionária de comer, deixando para trás o passado. No interior, os familiares discos de hambúrguer, com a promessa de serem “plant-based” e de proporcionarem as mesmas sensações para quem está acostumado à coisa real: o gosto grelhadinho, a textura carnuda e até aquele sanguezinho que escorre à primeira dentada. À primeira vista, uma situação ganha-ganha. Por um lado, saciamos a nossa eco trip de preservar o mundo, pois afinal, 10 entre 10 estudos, como este, apontam para a necessidade de se reduzir o consumo de carne animal e outros derivados para diminuir a pegada de carbono e a pressão sobre o meio ambiente. Por outro, não sacrificamos nada em termos da nossa egotrip de poder comer saudável e não ser escorraçado para o escaninho dos “veganos”, radicais em suas postulações e preferência por comidas insossas. Parece uma solução perfeita, não é?
Não à toa está em marcha uma grande corrida pelas “tecnologias” de produção não apenas de versões plant-based de hambúrguer, mas até de frango, ovo e por aí vai. A largada foi dada no Vale do Silício e já encontra seus congêneres por aqui.
Mas, como sempre no mundo da comida, a resposta nunca é tão simples e é preciso “seguir os ingredientes” antes de se tomar uma boa decisão. E às vezes basta começar pela com o que está na própria embalagem. Vamos ver o que está escrito na caixinha do tal hambúrguer que veio nos salvar do passado:
“Água, preparado proteico (proteína texturizada de soja, proteína de ervilha e farinha de grão de bico), gordura vegetal, amido modificado, cebola, condimento preparado sabor carne, sal, açúcar, beterraba em pó, estabilizante metilcelulose, aroma natural e antioxidante àcido ascórbico.”
Além da água, um dos principais ingredientes é a tal proteína texturizada de soja, PTS para os íntimos. Ora, a soja é uma planta e em muitas culturas, principalmente nas orientais, é considerada um alimento nobre. Tofu é bom para você, né? Mais ou menos. Recomendamos muito a audição do episódio sobre soja do nosso podcast favorito dos últimos tempos, o Panela de Impressão, da incrível Elaine de Azevedo. Ou então dê um Google mesmo.
A PTS é basicamente a sobra da sobra de processamento da soja usada pela grande indústria. Soja plantada em grandes escalas e em monocultura. Já sacou em que direção estamos indo, né? O mundo da indústria alimentar dá voltas mas sempre volta para o mesmo lugar: o uso de ingredientes baratos, maquiados por mais um tanto de bobagem e envoltos num belo pacote. A diferença, nesse caso, é o componente “tecnológico” e “futurista” que também não deixa de ser um truque bem antigo. Este hambúrguer vai bem com o pão de forma industrializado, feito num forno de pressão e com reforço de glúten para ficar pronto em algumas horas, uma tecnologia futurista criada no pós Segunda Guerra.
O esforço parece ir no sentido de oferecer uma opção vegana com o menor custo possível: a Junk food do futuro.
Pouco importa se existem ingredientes e tradições alimentares, ao alcance de todo mundo, que fazem pouco ou nenhum uso da carne. E, é importante também despir do veganismo sua crítica mais radical ao sistema alimentar.
Mas não queremos decidir para você, apenas fornecer melhores informações. Uma dica é o recente texto dos nossos parceiros do O Joio e o Trigo que analisa a questão .
No mundo da comida vale a máxima: follow the soy, ops, quer dizer, follow the money.
Enquanto isso ficamos com nosso prato de arroz com feijão, nosso hambúrguer vegano de lentilha e nosso hummus, muito obrigado.