O número de pessoas presentes nas feiras da Junta Local tem aumentado bastante. Claro, ficamos bastante felizes com isso, apesar das dificuldades inerentes à lógica do crescimento. Como nos acostumamos a ouvir de um tempo para cá, desdobrar-se para receber um público crescente com algum conforto é um problema do tipo “bom”.
No entanto (ah, esse nosso senso crítico sempre implica num “no entanto”), não consideramos o sucesso de público, o número de confirmações no evento do facebook, a badalação, a quantidade de selfies ou hashtags medidas do sucesso; tampouco o problema que queremos resolver se restringe à produção de uma feira de tamanho x ou y.
De fato, as feiras da Junta foram concebidas como forma de consolidação de uma rede e criação de uma comunidade em torno da comida. Elas surgiram da vontade de nos aproximarmos a pequenos produtores, de nos reunir de forma lúdica em torno da comida; enfim, foram pensadas de forma mais ou menos planejada como meio de alcançar todos esses objetivos; jamais como um evento. O sucesso das feiras veio de forma um tanto inesperada. Nosso único crédito foi querer fazer algo diferente com muita paixão e dedicação. O resto do crédito vai para os produtores que apostaram e trabalharam no projeto e para o talento, experiência e generosidade dos parceiros e colaboradores que nos acolheram e ajudaram. O ponto é que nós da Junta Local não conseguimos pensar nos frequentadores das feiras apenas como “público”, reforçando a divisão entre aqueles que “produzem” e aqueles que “frequentam” ou, em última instância, aqueles que consomem e vão embora, e que, segundo essa lógica, sendo em número ou gastando suficiente, “pagam” a feira. Para nós a feira é muito mais do que isso: é momento de união, de reconhecimento pelo esforço dos produtores, de troca, de criação e reforço de amizades, reflexão, subversão e transmissão de uma mensagem. A feira faz parte de um esforço coletivo para resolver vários problemas: democratizar a boa comida (por mais complicado que isso seja numa sociedade desigual ao extremo), valorizar a produção artesanal, ocupar espaços, questionar preconceitos, ampliar horizontes alimentares e fomentar o consumo consciente. Tudo isso sedimentado em torno da nossa relação com a comida: a comida nos unindo à natureza, às nossas memórias e afetos, à cidade e um ao outro. Temos fome por tudo isso. As feiras serão um sucesso se nos ajudarem a avançar nessas questões.
No entanto, a dimensão da feira pode colocar todos esse intentos em xeque se não fizermos um esforço adicional de lembrar cada um que comparece a nossa feira pela primeira vez ou de forma desavisada que todos os sabores, aromas e texturas ali presentes possuem uma história e uma motivação mais profunda: são ao mesmo tempo produto de todo esse esforço coletivo e ponto de partida de várias outras iniciativas. Essas histórias e mensagens são transmitidas pelos produtores, na medida do possível, em cada interação, porém o frenesi das vendas às vezes se interpõe; os bate-papos e palestras fluem e colocam em destaque os produtores, mas às vezes passam batidos; o espírito da feira é palpável, mas não imune ao deslumbramento inócuo e fugaz; toda a sinalização e programação visual é pensada com carinho para transmitir essa ideia, mas podem passar despercebidos pelo olhar errante. Em suma: a mensagem muitas vezes se perde em meio ao turbilhão. Para que o público vire comunidade é essencial comunicar nossos valores e mensagem de forma mais clara. Trata-se de uma tarefa difícil e estamos descobrindo a melhor forma de lidar com isso. Nos resta por ora tentar fazer sentido da experiência através destas linhas, explodindo a brevidade sugerida pelos posts facebooqueanos e bloguísticos, e desse modo tentar passar a limpo o passado, reafirmando quem somos e dando um passo adiante na busca da nossa identidade.
Portanto, caso estejam se perguntando, lá vai:
O que é a Junta Local?
A Junta Local é uma comunidade em torno da comida boa, justa e local. A alma da Junta Local são os pequenos produtores de todos os tipos e fazedores culinários.
A Junta Local atua coletivamente para criar plataformas de aproximação entre os produtores e consumidores conscientes, com base no pressuposto de que a produção local, em cadeias curtas, é mais sustentável do ponto de vista ambiental e justa do ponto de vista social e econômico. Sem falar que a produção local é mais saborosa, divertida e criativa.
Em cima disso, a Junta Local empreende uma série de outras atividades paralelas compreendendo que a comida é um bem cultural que tem o potencial de mobilizar, ocupar e subverter.
Como funciona a Junta Local? As feiras? A sacola virtual?
Os produtores estão presentes nas duas principais frentes da Junta Local: a plataforma física e a virtual.
A plataforma física consiste de uma série de feiras pop-up cujas datas são divulgadas no começo de cada estação. Elas são itinerantes e de diferentes tamanhos, porém acontecem com alguma regularidade e periodicidade em alguns pontos (Comuna, Casa da Glória, IED-Urca). Nas feiras, o principal critério de exposição é o contato direto com o produtor, a transparência e a confiança.
A seleção e curadoria é feita com base nos critérios da qualidade, diversidade e oportunidade. Novos produtores são sempre recebidos em reuniões de apresentação do projeto da Junta Local e, gradualmente, incluídos nas feiras e demais atividades da Junta. A escalação de cada feira varia de acordo com o tamanho do espaço, a disponibilidade dos produtores e um critério de rodízio entre os produtores. As feiras em espaços maiores contam ainda com atividades paralelas como bate-papos e workshops com os próprios produtores.
As feiras são financiadas coletivamente pelos próprios produtores.
A plataforma virtual consiste dos conteúdos virtuais no site e mídias da Junta Local e da Sacola Virtual. A Junta Local busca cada vez mais oferecer informações e conteúdo sobre cada um de seus produtores e promover a cultura da comida local. Trata-se de uma forma complementar de aproximar os pequenos produtores à comunidade.
A Sacola Virtual é um canal alternativo de consumo. A entrega dos pedidos pode acontecer de forma casada ou descasada das feiras, em datas anunciadas com antecedência. Ela segue uma lógica de produção sob medida, distribuição em pontos de entrega fixos para redução de custos e comprometimento dos consumidores, que pagam no ato da busca da sacola. Por um lado, ela permite que consumidores continuem comprando de produtores que conheceram nas feiras; por outro lado, os produtores podem continuar vendendo para a comunidade sem depender da presença nas feiras ou de entregas porta a porta. Trata-se de uma ferramenta para dotar de maior facilidade e constância o consumo local.
Qual o perfil dos produtores?
Não custa repetir: nas feiras o principal critério é o contato direto com o produtor, a transparência e a confiança. Acreditamos em pessoas, não em trucks ou trucagens. Não somos “naturebas” ou “gourmet”. A comida possui vários significados e oferecemos uma “lona” para toda sorte de produtores que refletem essa variedade. Dito isso, o perfil é variado e heterogêneo: há produtores consolidados ao lado daqueles que estão começando; há produtores orgânicos, agroecológicos, veganos, vegetarianos, e aqueles focados em restrições alimentares; e há produtores que não são nada disso. Há cozinheiros profissionais e experientes ao lado de cozinheiros diletantes e iniciantes. No entanto, são todos considerados pares, sendo essencial a troca positiva que surge da interação entre si e com a comunidade.
Por que a Junta Local?
Por que a comida precisa ser democratizada, descomplicada e discutida.
A comunidade deve retomar o poder sobre a origem e forma de produção do alimento.
A comida deve ser fonte de saúde e sociabilidade, sem afetação ou ansiedade exagerada.
Para onde vai a Junta Local?
A lógica da Junta Local não é de expansão, de inchamento contínuo e centralizado, mas de multiplicação e cooperação. Estamos estudando formas de crescer sem perder o caráter e a escala local.
Considerando todos esses aspectos da Junta Local anunciamos que em Julho as feiras darão uma pausa, entraremos em breve período de hibernação (porém não total, as Sacolas Virtuas continuam) para refletir e dar início às atividades no Rio Criativo. Dessa reflexão surgirão mais atividades, novas formas de cooperação, melhoria das atividades já existentes, mais pirações… e até mesmo outras feiras. Até lá e esperamos você na Casa da Glória.
A Junta Local é um processo em aberto, inclusive à crítica. O que é a Junta Local para você?