Por Maria Schatovsky
A curadoria é uma dimensão muito importante do trabalho da Junta Local, pois trata-se do momento em que colocamos em prática nossos valores e conhecemos quem faz (e como fazem). E com toda a diversidade de perfis de produtores, produtos, produções e histórias, cada produtor chega na Junta Local de uma forma. Tem gente que veio com outro produtor apresentando: “vocês precisam conhecer o pão dele!”. Tem quem veio porque já era frequentador das feiras: “nossa, eu sempre quis estar do outro lado da barraca”. Tem quem não fazia ideia do que era a Junta Local: “achei um lugar que faz sentido para o meu negócio”. Finalmente, tem quem chega devagar e deixa nossa equipe pensando “nossa, como que esses produtores ainda não faziam parte da nossa comunidade?”. Esse foi o caso da Milla e do Gui do Sítio Mariama.
Assim como muitos dos novos produtores rurais (tem gente que até chama de “neorurais”, a Mila e Gui tinham certeza que queriam viver da terra e do sítio que existia na família. E foi só a gente subir morro acima caminhando que a gente entendeu grande parte da origem deste desejo. Localizado em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, em plena zona urbana, o sítio parece um oásis no meio da cidade onde Gui e Mila cresceram. O projeto do Mariama existe desde 2016, mas o sítio está na família do Guilherme há mais de 50 anos. Em 2002, seu pai plantou mais de mil pés de coco e banana, mas logo depois adoeceu e foi para mais perto da cidade. Depois que ele faleceu, Gui sabia que precisaria voltar para cuidar do sítio, mas com uma visão diferente, utilizando dos princípios agroecológicos.
Gui e Milla moram numa casa bem situada ao pé do sítio. Chegamos lá à noite, com o friozinho na porta e fomos recebidos com a única refeição possível: um prato sopa quentinha, que logo abraçamos no colo para receber ainda mais calor. Enquanto as colheradas de cremosidade iam sendo servidas, ouvimos o casal nos atualizando sobre as novidades da vida rural. Apesar da transição ter começado anos antes, o processo de aprendizado é constante, pois o clima sempre muda, as dificuldades logísticas só aumentam, ainda mais para quem quer ser responsável pelo processo do início ao fim.
Já no dia seguinte, o clima de manhã começou com uma mesa recheada de produtos de produtores parceiros. E se tem algo que conquistou nossa equipe foi como Gui e Mila abraçaram o senso de comunidade dentro da Junta Local. Para quem não sabe, por aqui decidimos nos organizar para juntos encarar o desafio de fortalecer um sistema alimentar local e usar a força do coletivo para traçar caminhos e soluções em comum. Assim, essa comunidade de produtores permite uma proximidade de gente que compartilha os mesmos valores e se apoia mutuamente, seja nos encontros informais nas feiras, até canais e espaços de interação mais estruturados. O Sítio Mariama, além da simpatia e dos sorrisinhos para todo mundo na Feirinha de Laranjeiras – feira que eles abraçaram e se tornou ponto semanal de encontro – buscam sempre colaborar com criações junto a outros produtores. Recentemente, o picolé de coco do Ybaré passou a ser feito com os cocos do sítio, e o coco seco também já está sendo usado em alguns dos chocolates especiais da Black Cacau.
Saindo da casa, entramos no sítio propriamente dito, e a primeira parada foi a horta. Ela surgiu quando a mãe da Milla adoeceu, a levando a cultivar alguns pés de alface e couves para auxiliar na alimentação saudável. Quando viu, o que era para ser uma produção para a família já estava sendo entregue para diversas famílias em Volta Redonda. Com a crescente demanda, até o campinho de futebol do Gui virou horta, e uma das saídas para lidar com as variações da procura e da demanda do que é plantado e do que é colhido, foi a participação no PNAE. Para quem não sabe, o Programa Nacional de Alimentação Escolar oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública, e hoje uma das suas principais diretrizes é que parte dos alimentos usados nas merendas escolares deve ser proveniente da agricultura familiar. Uma das grandes felicidades da Mila hoje, é plantar, colher e entregar alimentos saudáveis para a escola onde sua filha estuda.
Logo depois da horta, o terreno do sítio começa a ficar bem íngreme, e é populado pelos coqueiros e bananeiras que ocupam toda a encosta. Gui e Mila contam que quando começaram a tentar ter uma renda que vinha do sítio, eles vendiam cocos e bananas em barracas na cidade. Isso não era suficiente. Com a pandemia, o casal perdeu o emprego e, com o desespero, a porta do sítio escancarou. Começaram a engarrafar a água de coco para facilitar as entregas, a produção extra da horta passou a integrar as cestas de entrega, além de produtos orgânicos de produtores parceiros da região.
Paramos quase no topo e tivemos a dimensão da quantidade de banana e coco que são produzidos ali, com os cuidados da Mila e do Gui. Foi nesse momento que Mila começou a contar que em 2021, começaram a perder muita banana, pois a produção agora com um manejo mais cuidadoso estava bombando. Como o pai da Mila tinha uma cozinha abandonada no centro de Volta Redonda veio a ideia de dar um trato nela e processar a banana lá para aumentar sua vida útil, e com isso vieram os desidratados, rolinhos de frutas, banana chips, banana passa. Todos os produtos que chegam na nossa Feirinha de Laranjeiras, fazem a festa e ajudam a tornar a oferta do Sítio Mariana variada, saudável, e sustentável tanto ambientalmente como financeiramente. O Gui, que se encontrava na terra, agora tinha uma companheira que se encontrava na cozinha.
Hora de uma pausa, Gui subiu no coqueiro, catou alguns outros cocos do chão, e nós sentamos na terra, bebendo a água de coco fresca – ganhamos alguns carrapatos no caminho mas certamente a água de coco mais docinha dos últimos anos.
Se você quiser ouvir um pouco mais da história deles, é só passar na nossa Feirinha de Laranjeiras (que acontece todos os sábados, de 8h às 15h na Tv. Euricles de Matos). Eles estão lá todos os sábados, com água de coco, frutas sazonais, produtos desidratados do sítio o que o tiver mais de produção do sítio.