Domingo, 24 de agosto de 2014, foi um dia bom para certas papilas gustativas e estômagos. Por elas passaram focaccias fresquinhas, de massa saborosa, com a casca crocante e reluzente de azeite, salpicada com alecrim. Shimejis e cogumelos de paris salteados na manteiga. Isso no café da manhã. Mais tarde, o estômago deu aquela roncadinha e foi prontamente atendido com uma ciabatta autêntica (não aquela esponja branca dos supermercados) lambuzada com uma geleia de framboesa de aroma intenso, um teletransporte para a mata silvestre. Ao entardecer, untuosas linguiças de ovelha envoltas em sedas aromáticas de funcho.

Essas cenas não se passaram na mesa de um café ou bistrô metido, mas sim no aconchego do lar de um dos que estiveram na Junta Local no dia anterior. Comidinhas parecidas, sem pompa nem circunstância, fizeram a alegria do day after de muitos outros que passaram por lá. Uns se animaram para se aventurar num risoto com cogumelos; outros preguiçosamente beliscaram torradinhas com chutney e patê de cordeiro e com certeza teve gente que bebericou uma cachacinha enquanto metia o dente em tortillas de milho crocantes após um mergulho sapeca na salsa picante.

Esses prazeres fugazes porém memoráveis foram possíveis porque um dia antes, no sábado, 23 de agosto de 2014, vieram de todos os lados um dedicado grupo de pessoas que pensa diferente sobre a comida para se aventurar na primeira feira da Junta Local. Pessoas que plantam e cozinham não apenas para ganhar a vida, mas para alimentar, nutrir e alegrar.

O lugar não poderia ser melhor e mais apropriado: a Comuna em Botafogo. Já virou lugar comum falar que a Comuna sai do lugar comum. O espaço é aberto e dinâmico, a proposta é divertir e remediar, brincar e provocar. E a Comuna alimenta. O restaurante e bar começaram tímidos, mas as iniciativas criativas se multiplicam e a casa se consolida como motor da necessária mudança da cultura alimentar da cidade. E a Comuna alimenta a cabeça promovendo debates e outros eventos em torno da comida, como o Pira Pirão e o Porta Fechada.

E o dia estava lindo. Quem esteve lá pôde descobrir que um café bom coado com técnica pode revelar ainda mais nuances que um expresso bem tirado. Deu pra curtir os últimos raios do sol invernal tomando uma refrescante cerveja saison e conversar com os amigos. Deu para saber de onde vinham aqueles tomatinhos e folhas, como foi feito aquele queijo vegetal que não sabia que existia (resposta: macadâmias!) e por assim vai. Nas rodinhas e nas interações com os produtores com certeza o assunto não poderia ser outro: comida. Mas ao contrário de outras situações, o bate-papo ali, cercado de produtores e comidas de fato diferentes, tinha liga, corpo e espírito.

O que nos traz de volta à razão de ser da Junta Local. Comida boa é comida que também faz pensar, que une, que, ora ora, junta as pessoas! A Junta Local veio para isso. Para celebrar a comida em comunidade e ao mesmo tempo fazer várias perguntas sobre como podemos melhorar o que comemos. Por que não é possível comer coisas boas e simples com mais frequência? Como é possível tornar essas comidas e seus produtores mais visíveis e acessíveis? Por que tudo vem de tão longe, mediado por letras miúdas e rótulos fantasiosos? Por que não conhecemos quem produz o que comemos? É possível criar uma comunidade em torno da comida? É possível sonhar com um sistema alimentar mais justo e solidário?

Não há respostas prontas, apenas uma intuição: a de que a busca coletiva pela boa comida nos conduzirá na direção certeira. São poucas as searas da vida em que a busca do prazer pode ser conciliada tão facilmente com o que faz bem para a saúde, a natureza e o outro.

Nós da Junta Local agradecemos os produtores e todos os que compareceram na feira da Comuna. E agora, miramos o futuro com apetite voraz e convidamos todos a continuar nessa caminhada.

AJUNTA!