Por Thiago Nasser

 

Este mês tivemos o Moinho Aberto #2, edição Taças e Xícaras, em que tivemos como ilustres convidados, além da janelinha para nossa operação, comes e bebes e feirinha,  produtores responsáveis por encher os citados recipientes de vinho natural e café especial. 

Vamos focar aqui no café, um assunto que há muito nos instiga . Desde a última vez que tocamos nesse assunto aqui na Revista nos aprofundamos ainda mais nesta que é uma cadeia de significado especial para o nosso país, dado seu histórico na cafeicultura e a descoberta do café especial, um movimento que torna o nosso pretinho básico muito mais interessante e que começa a provocar mudanças significativas no campo.   

Nesse tempo, começamos a seguir de longe a Juliana Ganan, da Tocaya. Provamos seus cafés e devoramos seus textos em redes sociais, no seu blog e em publicações especializadas como Sprudge e Standart. Mais do que uma expert em torrefação, nos encantamos com o olhar amplo e acurado para a cadeia como um todo, unindo a capacidade analítica de uma acadêmica com a sensibilidade de quem tem uma história pessoal muito íntima com o café. Ela tinha que estar na Junta Local!

E não titubeamos para fazer esse convite quando fizemos nossas primeiras feiras em São Paulo (sua base fica em Itajubá, no sul de Minas, mais perto de lá que de cá). Ela chegou junto e também chegou a vir uma vez para feira na Rua Capistrano de Abreu. E aí esse namoro esfriou por causa da pandemia. E foi durante esse momento de distância e reclusão que ela resolveu escrever um livro, como uma forma de suprir algumas lacunas que ela sentia que havia na literatura: “Por Trás da Xícara”, que foi finalmente publicado em agosto deste ano.

Quando as coisas voltaram ao “normal” começamos a fazer o Moinho Aberto, novo formato de evento no Moinho Fluminense que muitas vezes serve como pretexto para chamar  quem está longe para ficar mais perto. Na hora da formatação da edição #2 neste mês de outubro, novamente não hesitamos em fazer o convite de fazer o lançamento carioca na nossa casa. O livro, que fecha todo um ciclo em torno do café – da sua história até os desafios atuais da produção do café especial, passando por detalhes de seu cultivo e processamento – também serviria para inaugurar um novo ciclo com a Junta. Ela não apenas viria para a edição Taças e Xícaras, mas também participaria de uma feira,, conduziria uma degustação e ainda se ajuntaria oficialmente, garantindo cafés na Sacola da Junta e também topando fazer a curadoria de uma especialíssima caixa de descoberta no Assina Junta. Ufa! Haja cafeína!

E foi tudo bem lindo. Seguem aqui umas resenha destes melhores momentos!

Degustação

Começamos com uma degustação para 15 felizardos que provaram dois super cafés, o FW-7 e o Gesha. O FW é sigla de “fully washed”, isto é, café “lavado” e vem da lavra do produtor Álvaro Coli, de Carmo de Minas. O outro café foi o Gesha, do mesmo produtor e região porém, um “natural”. O primeiro mais “limpo”, com notas de caramelo e nozes, e o segundo mais “alcóolico” preenchendo a boca com o sabor de fruta madura. O que explica a diferença? Além da variedade do café (todos arábicas mas de variedades distintas), o fato de que o café lavado tem sua mucilagem (a polpa que envolve os grãos) retirada antes de secar, ao passo que o outro seca junto com casca e tudo, e isso afeta bastante o sabor. Um passa pelo processo depois os grãos são fermentados junto com a mucilagem e casca que envolve os grãos.  Nas palavras da Ju, o primeiro é mais jazz ou bossa nova; o segundo é rock ‘n roll. Um não é melhor que o outro, é só uma questão de preferência ou das notas musicais que você quer “ouvir” saindo da sua xícara. A degustação foi finalizada com a história da variedade gesha, um café que vinha atingindo pontuação altíssimas em campeonatos. Com origem na Etiópia, ele não tinha autorização para ser comercializado no Brasil, mas produtores ansiosos deram um jeitinho de fazê-lo chegar. Não contem para ninguém, ok?

Lançamento do livro: Por trás da sua xícara

Da degustação passamos ao bate-papo sobre o livro. Aspectos como estes sobre os processos do café, que ajudam a informar nossa apreciação estão lá, fazendo dele um verdadeiro manual de consulta. Mas é muito mais que isso. 

Quem adquiriu o livro (e não foram poucos os fãs da Tocaya que compareceram para garantir seu autógrafo – aliás, exemplares podem ser adquiridos na Sacola da Junta) vai aprender sobre como o cultivo, o processamento e métodos de preparos impactam no que vai à xícara, e como isso impacta na ampla gama sensorial e de aromas (muito mais amplas que o do vinho, diga-se se de passagem). Altitude, variedade, terroir, processamento, método de preparo: tudo pode afetar a experiência do café, o que vale é provar.

E há muito mais por trás do café. O livro começa com um sobrevôo sobre a história do café e uma explicação do que diferencia o café especial do café “commodity”, e o contexto que fez com que o Brasil se notabilizasse segundo tipo. Ex-funcionária do BID e com um mestrado debaixo do braço, se faz presente uma análise da perspectiva da economia política do café, contrastando os países que se tornaram exportadores de valor agregado e os que ficaram para trás (na verdade os que foram explorados). Ela aborda também, de forma didática, como o funcionamento do mercado afeta preços e até como a mudança climática pode mudar toda a geopolítica do café.

Mas o que diferencia o livro é um olhar muito pessoal da Ju, filha de um cafeicultor que se enveredou por outros caminhos e que no entanto redescobriu sua ligação ao ver, numa cafeteria em Nova Iorque, o rosto de um produtor vizinho do pai num pacote de café. No bate papo ela disse que o plano era voltar ao café na aposentadoria. Não deu certo.

Este olhar muito pessoal e sensível aparece em vários momentos e serve como um guia para o bebedor de café, informando com técnica mas sem imprimir dogmas sobre o que é melhor. Ao falar dos cafés especiais fala de selos, rankings e tudo mais, mas o caminho que ela aponta é o da aproximação. Quanto mais informação sobre o café for possível obter, melhor. Selos de orgânico, de fair trade, de nada valem como garantia a para saber se o dinheiro gasto está tendo um impacto. No bate-papo falamos muito disso e como quão revelador pode ser uma simples visita a uma fazenda para saber se o café especial é realmente especial.

Outro ponto de ponto de preocupação da Ju é o impacto de mudanças climáticas na produção de café. Ainda que altitude não seja sinônimo de qualidade, temperaturas mais altas podem alterar drasticamente a geografia da produção de café, com sérios riscos para a nascente cadeia de café especial brasileira. Do público presente, Ju respondeu perguntas também sobre as “ondas do café”, indicando que é possível estarmos numa quarta onda, em que a experiência e serviço se torna essencial, e também sobre cafés especiais da espécie robusta, que vem também quebrando paradigmas. Encerramos a conversa falando do apreço da Ju sobre cafés da Etiópia e também de um dia que ficou na memória num café no México, onde começou seu casos com os “cortados”. 

Ao longo dessa semana, você confere aqui na Revista, outros textos que permeiam esse universo tão complexo que é o café.