Por Maria Schatovsky e Thiago Nasser
Para conhecer e compartilhar com a nossa comunidade de produtores é preciso estar junto. Parte dessa missão importante se cumpre nas feiras, na Sacola da Junta e no Assina Junta, onde o produto final do trabalho e a concretização de uma ideia são apresentados. Mas é preciso mostrar a parte que muitas vezes fica mais escondida do que a gente gostaria: onde o trabalho é feito, como ele é feito e quais são as mãos e mentes que unem, principalmente quando tudo isso acontece longe da cidade, no campo. É preciso ver o olho brilhar ou a lágrima ser enxugada ao ouvir um produtor falar de sua trajetória, naquele pedacinho de terra ou cozinha que dá significado a tudo.
Daí a importância de ir, do Junta Local Vai, série que retomamos aqui com o relato da nossa visita ao Sítio São José, na Serra da Bocaina, onde a produtora Alice Lutz não só criou a Maravilhas São José mas também se reencontrou como produtora rural depois de abandonar a vida na cidade, indo além do glamour passageiro da ideia de uma “vida no campo” que habita na cabeça de muitos. Pela sua longa trajetória na Junta Local e por termos acompanhado inclusive através de seus relatos aqui na Revista, a sua jornada de mudança para o campo, essa era uma visita muito aguardada. Nesse sentido, a Alice representa ao mesmo tempo um ideal que muitas da cidade sonham mas certamente um choque de realidade, algo que relatos públicos e privados (os emails para nossa equipe, os áudios estilo podcast falando das pequenas vitórias mas também dos grandes desafios e rasteiras que leva do homem e da natureza) nunca negaram. Por isso fomos para um “Junta Local Vai”. Todos são especiais à sua maneira, mas esse aqui levava consigo uma grande parte da história e do propósito da Junta Local, um primeiro resultado de um grande experimento à céu aberto em curso sobre a população da topografia rural por um novo perfil de agente (como a Revista Feira – recentemente trouxe como assunto na sua edição de #4).
Mas vamos à estrada que é o que interessa.
No carro, rumo à Serra da Bocaina, a equipe presente rememorou os inícios da Maravilhas São José nas feiras. Alice, então recentemente saída de um emprego na televisão, tinha como foco a produção de gersal e alguns poucos itens que vinham do sítio. Era nítido o encantamento dela com a cozinha, com a descoberta de ingredientes e pelo papel dela como mediadora entre o campo e a cozinha. Mas ela era nitidamente uma pessoa “da cidade”, ainda que já trouxesse nela e no emblema da Maravilha a ideia de ser uma ponte entre uma comunidade que come, ponte entre o campo e a cidade, ponte entre a memória dela e o prato de comida, entre saberes ancestrais e práticas de resgate.
Foram muitas feiras, eventos e projetos da Alice em sua encarnação cozinheira do campo. Aos poucos, no entanto, uma transformação começou a se operar. Suas idas ao campo se tornaram mais frequentes. Vieram os experimentos com plantio de gergelim, depois do milho. Sua cozinha foi ficando mais rural, mas ela também foi se tornando mais rural.
E então veio a pandemia. E na transição deste mundo pré e pós pandemia surgiu uma Alice arraigada física e espiritualmente num pequeno quinhão de terra na serra, cada vez mais ciente da cultura caipira, mas também cada vez mais portadora de novas ideias para o campo.
Finalmente veríamos a Alice neste local que a transformou tão profundamente.
Chegamos no Sítio já era tarde da noite. Esse trajeto fez parte de um roteiro maior, onde nossa equipe passou por São José do Barreiro, bebeu alguns vinhos naturais na Feira Naturebas, em São Paulo, e depois passou pelo litoral carioca para conhecer a charcutaria Terra e Mar da Casa das Meninas – mas isso é relato para outra hora. Céu estrelado, Alice estava sentada ao lado da fogueira e nos recebeu com sua incrível sopa de abóbora. Abóbora colhida bem ali, pão recém assado, queijinho da Canastra e é claro, finalizada com o gersal, aquele primeiro produto da Maravilhas São José. No centro da mesa uma enorme cuia de pipoca de milho crioulo que acompanhava as conversas da noite assim como um bom amendoim acompanha os papos de mesa de bar.
No dia seguinte, recheamos a barriga no café da manhã com o incrível bolo de fubá da Alice. A comoção foi tanta pelo bolo, que a receita você confere aqui embaixo – quase como a histórica receita do miojo no meio da redação do ENEM, só que essa aqui vale separar os ingredientes, pré aquecer o forno e sentir o cheirinho de fubá quentinho.
Receita do Bolo de Fubá
Ingredientes:
2 ovos de galinhas felizes
1/2 xícara de óleo
1/2 xícara de açúcar
1 xícara de leite de coco
1 pitada de sal
1 colher de sopa de fermento
Um breve guia de como fazer:
Unte uma forma com óleo e açúcar. Separe os 2 ovos de galinha (preferencialmente do tipo feliz e criada solta), meia xícara de açúcar, meia xícara de óleo, 1 xícara de leite de coco, 2 xícaras de fubá criolo, coloque tudo no liquidificador com uma pitada de sal. Bata tudo muito bem, quando já tiver incorporado acrescente uma colher de sopa de fermento em pó, bata somente até misturar. Coloque para assar no forno pré aquecido a 180 graus, por volta de 40 minutos. Tá aí seu bolo perfumado e perfeito para ser saboreado quentinho.
É claro que depois do bolo, tudo o que a gente queria era ver o milharal. Milharal bem diferente do que vemos em cenas convencionais. Por lá, tinha feijão, abóbora, e algumas outras espécies, tudo junto e misturado, cooperando de forma que os nutrientes da terra se potencializassem, e a biodiversidade prosperasse ali no sítio.
Alice nos conta um pouco mais sobre o milho nas diferentes épocas do ano, como a plantação é feita, sobre as diferentes variedades, e nos mostra o oratório do milho. No Sítio São José, diferentes tradições se misturam com conhecimentos mais modernos e dão esse caldo que a gente vê em cada lugar e fala da Alice. O hasteamento do milho no mastro, e o oratório são algumas das práticas que conseguimos conhecer melhor. Com os milhos nas mãos, tiramos as palhas, que são usadas para amarrar cada dupla de espiga e pendurar no telhado pequena construção, desejando em cada “pendurada” uma próxima colheita próspera, abundante e saudável.
O Sítio São José também é um espaço educativo dentro da comunidade em que está localizado. Com salas de aula a céu aberto e alojamento para as crianças, Alice nos conta do que tem feito e seus planos para o futuro. E olhando pro futuro, conversamos sobre seus novos plantios, principalmente de café, suas ideias de potencialização do espaço e novas ocupações.
Fomos interrompidas pelo sino do almoço. Hora do famoso PF da roça da Maravilhas São José, ou seja, o que o sítio tem de melhor a oferecer. Tudo que é produzido no sítio fica primeiro lá e serve de alimento para toda a comunidade envolvida na produção. Batata doce, feijão e outros vegetais da roça fizeram nossa felicidade aquele dia.
Depois de muita prosa, família e amigos da Alice foram chegando, afinal, por ali o fim de semana seria de Festa de São João, e a tarde todos estavam reunidos ajudando nos preparativos da cozinha das comemorações. A noite, como não podia faltar, foi de muita comida e bebida boa, local e justa, fogueira e forró para espantar o frio da Serra da Bocaina.
A visita foi curta e o desejo foi de voltar assim que saímos. Visitar produtores é sempre uma forma de reforçar nossos valores e princípios e nossos processos de curadoria. Temos que saber quem faz, de onde vem e como é feito, mas além de tudo estar perto de todo esse processo. Fomos e vimos uma produtora que se encontrou no campo, um elo da nossa comunidade com os ensinamentos da terra. Obrigado Alice!
Quer conhecer um pouco mais do trabalho da Maravilhas São José? Acesse a Sacola da Junta e garanta já seus fubás, milhos de pipoca e gersal.